quarta-feira, 24 de setembro de 2014

TIBOR, JONATHAN, MIGUEL E ALENKA


Eu sei que não passa de uma peneira de redes grossas, mas ainda assim é útil e meritório o escrutínio democrático pelo Parlamento Europeu (PE) dos comissários indigitados. Quem não se lembra, há cinco anos na segunda Comissão Barroso, dos chumbos daquele inenarrável italiano (Rocco Buttiglione) que declarara publicamente o caráter pecaminoso da homossexualidade ou daquela “interessada” búlgara que Durão meticulosamente escolhera para a pasta da ajuda humanitária?

Pois o processo de audição vai brevemente iniciar-se com vista a ratificar (ou não) os eleitos e os cozinhados de Juncker. E, deixando de lado algum desequilíbrio entre grupos políticos (num quadro em que o Conselho Europeu é constituído por 12 socialistas e social-democratas, a Comissão proposta terá apenas 8 contra 14 do PPE, 5 liberais e um conservador britânico) e um tortuoso organigrama (que, até parecendo ter uns toques de “centralismo democrático” à velha maneira estalinista, estará concretamente mais ao serviço das fações mais poderosas do que de uma real eficácia e coordenação política), tudo leva a crer que os elos mais fracos sejam quatro e por diferentes ordens de razões. Vejamos.

Comecemos pelos princípios. Sendo conhecidas as tropelias que vêm sendo levadas a cabo pelo regime húngaro de Viktor Orbán, assim como os seus sucessivos contenciosos com a União Europeia (UE), as reservas são enormes quanto à indicação de uma das sombras daquele primeiro-ministro (Tibor Navracsics) e logo para o simbólico posto da educação, cultura, juventude e cidadania. Para a cidadania, leram bem, o ministro dos Negócios Estrangeiros em exercício que fora o ministro da Justiça que, entre 2010 e 2014, chocara amiudadas vezes com o PE (que colocou a Hungria “sob vigilância”) e a Comissão (sobretudo na pessoa da comissária para a Justiça, Viviane Reding) em matérias de direitos fundamentais como a lei da imprensa, a independência do sistema judicial e o tratamento das minorias. Grande penalidade e um a zero...



Prossigamos com os interesses. Sendo conhecido o contexto que conduziu à crise financeira e ao projeto de estabelecimento de uma união bancária europeia, assim como a muito própria e enviesada presença do Reino Unido na UE e as convicções desregulacionistas e ultraliberais do seu governo, as dúvidas são as maiores quanto à lógica deste fair deal with Britain em que um personagem como Jonathan Hill poderá assumir o pelouro dos serviços financeiros. Com a agravante de se tratar de um alto responsável do partido conservador (de ex-secretário político de John Major a recente líder da House of Lords como Lord Hill of Oareford), de um eurocético que sempre se declarara relutante em trabalhar em Bruxelas e que se referira a Juncker como someone no one has heard of e de um agente proeminente da área de lóbi, fundando a Quiller Consultants (empreendedorismo, disse Cameron, pois claro) e nela tendo operado entre 1998 e 2010. Golo na própria baliza e dois a zero...



Passemos agora aos usos e costumes. Sendo conhecidas as inúmeras polémicas em torno do desbocado ministro da Agricultura, Alimentação e Ambiente de Espanha, assim como algumas acusações de possíveis incompatibilidades de interesses (duas participações em empresas da área dos petróleos, p.e.), convenhamos que o nome de Miguel Arias Cañete não será o mais canónico para superintender à mudança climática e energia. Sendo ainda que a criatura tem algo de “novo Rocco”, embora em versão meramente machista (da complicação que é o debate com uma mulher quando se demonstra superioridade intelectual ou ela é encurralada à necessidade de usar o regadio como uma mulher, “com muito cuidado”), e é exímia em demonstrações de ignorância ou despropósito (da recomendação de duches de água fria para poupança de energia a variadas medidas de desproteção do litoral, da confissão da irrelevância que atribui à data de caducidade de um iogurte à ideia de que o lobo ibérico não seria uma espécie em extinção por se ter “reproduzido com enorme intensidade nos últimos anos”, entre muitos e incontáveis incidentes). Cabeçada e três a zero...


(Miki y Duarte, http://blogs.grupojoly.com)

Concluamos com o insólito. Uma primeira-ministra, no caso eslovena, que perde a liderança do seu partido (designado por PS, mas significando “Eslovénia Positiva”) e que se autonomeia como comissária em representação do país, está a contas com um inquérito acusatório de corrupção e tem dado mostras diversas de euroceticismo é certamente algo de pouco edificante em si mesmo e muito mais para o desempenho de uma vice-presidência da UE coordenando a união energética. Não obstante, é de referir que o caráter controverso de Alenka Bratušek não diminui as suas qualidades pessoais e políticas, aliás amplamente reconhecidas por Juncker e que terão ficado bem evidenciadas no modo como ela soube enfrentar com determinação e sucesso os riscos de um resgate iminente da Eslovénia; sublinhe-se a terminar que, ao contrário dos anteriormente citados (dois do PPE e um dos conservadores britânicos), Alenka é uma representante dos liberais (ALDE) e poderá por isso estar sujeita a fogos algo menos intensos do que os restantes. Livre indireto e quatro a zero...


(Joško Trobec, http://www.dnevnik.si)

Não quero deixar de sublinhar ainda mais dois pontos sensíveis. Por um lado, a nomeação do antigo ministro das Finanças francês Pierre Moscovici para os assuntos económicos e monetários constitui um mix pouco claro entre um benefício do infrator (a França persiste no incumprimento das regras estabelecidas) e uma desautorização (no caso de o vice-presidente encarregado do euro e do diálogo social, o antigo primeiro-ministro da Letónia, querer e poder efetivamente exercer a vigilância direta de que estará formalmente incumbido). Por outro lado, a opção por um duro e ortodoxo para primeiro-vice-presidente, o ex-primeiro-ministro finlandês Jyrki Katainen, não deixará de levantar muitas vozes contra. Quanto aos alemães, e como se comprova, já estão de algum modo noutra...

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