segunda-feira, 1 de setembro de 2014

PODEREMOS CONTAR COM ELES?


Chapéu (e que chapéu!) para a crónica decisiva de Teresa de Sousa “Quem são eles?”, publicada no jornal Público. Eles são as figurinhas ou talvez os figurões a quem cabe, nos países com algum poder de intervenção na Europa, mais propriamente França, Itália e Espanha, renovar a alternativa de governação socialista (ou social democrata) num contexto que integre a globalização. Teresa de Sousa é particularmente crítica do modo como o centro-esquerda europeu se tem mostrado incapaz de integrar nas propostas políticas os efeitos negativos da globalização. E ainda mais crítica da “frondinha” francesa que aspira por uma espécie de desmundialização ou de renúncia radical à globalização (Arnaud Montebourg que teve o seu momento de glória quando determinou o novo governo de Valls do qual obviamente foi afastado), numa tradição de intelectuais franceses tradicionalmente afastados da tradição sindical que faça a ponte com o mundo do trabalho. Assim sendo, as figurinhas ou figurões são gente como Manuel Valls, Matteo Renzi, Pedro Sánchez e agora mais recentemente Emmanuel Macron.
Dei comigo a perscrutar nos exércitos de apoio a António José Seguro e António Costa figurinhas e figurões que mais se identifiquem ou se aproximem somaticamente com estes referenciais da por alguns (não por mim) designada de esquerda socialista rejuvenescida. O exercício foi necessariamente incompleto, mas acabei por detetar mais figurinhas e figurões no grupo que apoia António José Seguro (vejam por exemplo alguns jovens quadros ambiciosos que se perfilam sempre por detrás de Seguro sobretudo em reuniões a norte do País, designadamente no Porto) do que entre os apoiantes de António Costa. O que pode ter interpretações de sinal contrário. Os apoiantes de AJS dirão que o “progresso” está com eles e que AC representará a política desgastada. Os apoiantes de AC dirão, por sua vez, que os figurinhas e figurões não são nem carne nem peixe, que são clowns requentados de Blair ou de uma terceira via que não conduz a rigorosamente nada, do tipo Jeoren Dijsselbloem, holandês, anterior presidente do Eurogrupo, ao qual se aplica algo de semelhante ao título da obra de Magritte, Ceci n’est pas une pipe, com frase colocada na testa do dito – “Isto não é um socialista”.


 (Isto não é um socialista)
Brincadeiras, brincadeiras, reflexões à parte, mas esta questão dos figurinhas e figurões é mais importante do que parece. Será que estamos condenados a ter um pensamento e uma ação socialista/social-democrata rejuvenescidos unicamente protagonizados por gente como Emmanuel Macron, capazes de fazer melhor do que fariam furiosos defensores da direita liberal, sob o rótulo de socialismo moderno? Será que estaremos condenados a contestar esta rapaziada caindo nos braços dos que não conseguem oferecer uma alternativa à desmundialização e são incapazes de uma crítica à globalização, sem descair para o mais puro dos nacionalismos económicos, sempre empobrecedores nas economias de menor dimensão? Esta questão para mim é fundamental porque se não houver alternativa aos “jovens deslumbrados” ou aos “velhos com alergia ao mercado” então fino-me, fecho para balanço, e dedico-me à contemplação ou à literatura.
Tenho a intuição de que existe alternativa, embora seja apenas uma intuição, ou se preferirem um puzzle complexo, do qual se conhecem para já apenas algumas peças, cuja identificação é ainda imperfeita, artesanal, desorganizadamente apresentadas neste blogue. Atrevo-me a tentar formalizar algumas dessas peças:
  •         Uma crítica à globalização é possível, sem abdicar de que o acesso à difusão tecnológica é crucial para as economias que não podem aspirar a estar na fronteira (crista da onda) da tecnologia e da investigação e desenvolvimento tecnológico; há pensamento para isso, nomeadamente entre economistas liberais americanos e é necessário trabalhar a diplomacia internacional impregnando-a dessas perspetivas; a crítica fundamental tem de ser dirigida à globalização financeira;
  • ·     A alternativa tem de ser construída focada no universo da empresa, por muito que custe aos que “vomitam” frequentemente a palavra economicismo, como se se tratasse de sacrilégio, veneno que é necessário expelir; e é necessária essa preocupação, entre outras razões, porque sem esse foco não se chega hoje ao mundo do trabalho;
  • ·       Deste foco decorrem muitas implicações, entre outras a de que em matéria de escolhas públicas será sempre prioritário reservar recursos públicos para as políticas sociais em detrimento de ambições de intervencionismo económico;
  • ·        Não é também possível aspirar a cargas fiscais típicas de sociedades escandinavas sem os benefícios sociais generalizados desse modelo de sociedade, pelo que não é politicamente viável à esquerda nenhuma estratégia de transição que aspire a gerir durante muitos anos uma sociedade com cargas fiscais dessa natureza sem os resultados “escandinavos” rapidamente garantidos.
Um exercício simples de verificação mostra que à esquerda é praticamente impossível reunir consensos sobre mais do que uma ou duas destas peças artesanais.
Para trabalhar as ideias, apesar dos figurinhas e figurões.

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