Chapéu (e que chapéu!) para a crónica decisiva de Teresa de Sousa “Quem são eles?”, publicada no jornal Público. Eles são as
figurinhas ou talvez os figurões a quem cabe, nos países com algum poder de
intervenção na Europa, mais propriamente França, Itália e Espanha, renovar a
alternativa de governação socialista (ou social democrata) num contexto que
integre a globalização. Teresa de Sousa é particularmente crítica do modo como
o centro-esquerda europeu se tem mostrado incapaz de integrar nas propostas políticas
os efeitos negativos da globalização. E ainda mais crítica da “frondinha” francesa
que aspira por uma espécie de desmundialização ou de renúncia radical à
globalização (Arnaud Montebourg que teve o seu momento de glória quando
determinou o novo governo de Valls do qual obviamente foi afastado), numa
tradição de intelectuais franceses tradicionalmente afastados da tradição
sindical que faça a ponte com o mundo do trabalho. Assim sendo, as figurinhas
ou figurões são gente como Manuel Valls, Matteo Renzi, Pedro Sánchez e agora mais
recentemente Emmanuel Macron.
Dei comigo a perscrutar nos exércitos de apoio a
António José Seguro e António Costa figurinhas e figurões que mais se identifiquem
ou se aproximem somaticamente com estes referenciais da por alguns (não por
mim) designada de esquerda socialista rejuvenescida. O exercício foi
necessariamente incompleto, mas acabei por detetar mais figurinhas e figurões
no grupo que apoia António José Seguro (vejam por exemplo alguns jovens quadros
ambiciosos que se perfilam sempre por detrás de Seguro sobretudo em reuniões a
norte do País, designadamente no Porto) do que entre os apoiantes de António
Costa. O que pode ter interpretações de sinal contrário. Os apoiantes de AJS
dirão que o “progresso” está com eles e que AC representará a política
desgastada. Os apoiantes de AC dirão, por sua vez, que os figurinhas e figurões
não são nem carne nem peixe, que são clowns
requentados de Blair ou de uma terceira via que não conduz a rigorosamente
nada, do tipo Jeoren Dijsselbloem, holandês, anterior presidente do Eurogrupo,
ao qual se aplica algo de semelhante ao título da obra de Magritte, Ceci n’est pas une pipe, com frase colocada
na testa do dito – “Isto não é um socialista”.
(Isto não é um socialista)
Brincadeiras, brincadeiras, reflexões à parte,
mas esta questão dos figurinhas e figurões é mais importante do que parece. Será
que estamos condenados a ter um pensamento e uma ação socialista/social-democrata
rejuvenescidos unicamente protagonizados por gente como Emmanuel Macron,
capazes de fazer melhor do que fariam furiosos defensores da direita liberal,
sob o rótulo de socialismo moderno? Será que estaremos condenados a contestar
esta rapaziada caindo nos braços dos que não conseguem oferecer uma alternativa
à desmundialização e são incapazes de uma crítica à globalização, sem descair
para o mais puro dos nacionalismos económicos, sempre empobrecedores nas
economias de menor dimensão? Esta questão para mim é fundamental porque se não
houver alternativa aos “jovens deslumbrados” ou aos “velhos com alergia ao
mercado” então fino-me, fecho para balanço, e dedico-me à contemplação ou à
literatura.
Tenho a intuição de que existe alternativa,
embora seja apenas uma intuição, ou se preferirem um puzzle complexo, do qual
se conhecem para já apenas algumas peças, cuja identificação é ainda
imperfeita, artesanal, desorganizadamente apresentadas neste blogue. Atrevo-me
a tentar formalizar algumas dessas peças:
- Uma crítica à globalização é possível, sem abdicar de que o acesso à difusão tecnológica é crucial para as economias que não podem aspirar a estar na fronteira (crista da onda) da tecnologia e da investigação e desenvolvimento tecnológico; há pensamento para isso, nomeadamente entre economistas liberais americanos e é necessário trabalhar a diplomacia internacional impregnando-a dessas perspetivas; a crítica fundamental tem de ser dirigida à globalização financeira;
- · A alternativa tem de ser construída focada no universo da empresa, por muito que custe aos que “vomitam” frequentemente a palavra economicismo, como se se tratasse de sacrilégio, veneno que é necessário expelir; e é necessária essa preocupação, entre outras razões, porque sem esse foco não se chega hoje ao mundo do trabalho;
- · Deste foco decorrem muitas implicações, entre outras a de que em matéria de escolhas públicas será sempre prioritário reservar recursos públicos para as políticas sociais em detrimento de ambições de intervencionismo económico;
- · Não é também possível aspirar a cargas fiscais típicas de sociedades escandinavas sem os benefícios sociais generalizados desse modelo de sociedade, pelo que não é politicamente viável à esquerda nenhuma estratégia de transição que aspire a gerir durante muitos anos uma sociedade com cargas fiscais dessa natureza sem os resultados “escandinavos” rapidamente garantidos.
Um exercício simples de verificação mostra que à
esquerda é praticamente impossível reunir consensos sobre mais do que uma ou
duas destas peças artesanais.
Para trabalhar as ideias, apesar dos figurinhas e
figurões.
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