quarta-feira, 3 de setembro de 2014

AS LEITURAS SÃO COMO AS CEREJAS



Tenho de confessar que sou muito impulsivo e errático na escolha das minhas leituras de formação em economia e ciências sociais em geral, não tendo propriamente um programa de investigação a orientar essa escolha. Agora que estou afastado das lides universitárias esse caráter aleatório das escolhas tem vindo a intensificar-se, mesmo com o enquadramento do Interesse Privado, Ação Pública a orientar uma parte dessas opções. Continuo a deixar-me seduzir pelo acaso de uma referência e, de vez em quando, essa referência é uma autêntica mina porque me conduz a novas pesquisas. Não é método que se recomende a ninguém, mas sou refém da minha gama demasiado lata de interesses académicos e por isso já não é tempo de mudar.
A referência de hoje, que pode dar origem a uma leitura obsessiva e de grande alcance, tem uma história interessante e só a reproduzo aqui porque está relacionada com alguma interação realizada a partir deste blogue e do que nele se publica.
Tudo começou com o meu relato aqui no blogue do encontro de António Costa na Cooperativa Árvore, no Porto, com algumas personalidades potencialmente apoiantes, onde eu estava presente. Discutindo criticamente a interpretação que eu tinha realizado da conversa de mesa que tínhamos travado, o colega Guilherme Costa (GC) teve a amabilidade de me dirigir um mail em que comentava essa interpretação e que tinha por suporte a incerteza da governação nas condições atuais em que ela se concretiza. No âmbito dessa reflexão, o GC referiu-me um artigo que o tinha fortemente influenciado, na transposição que dele realizou para o mundo da empresa, que é aquele em que se movimenta. Curiosamente, a referência correspondia a um artigo que tinha passado algures no tempo pelo meu radar de seduções de leitura, na altura em que pela entrada das teorias do planeamento o desenvolvimento urbano atraía então as minhas atenções. O artigo era de autoria do cientista-arquiteto Christopher Alexander, data dos anos 60 e chama-se “A City is not a tree” (link para o pdf aqui). Nesse artigo, Alexander defende a sua relevante tese de que as cidades não podem ser representadas por uma estrutura abstrata do tipo “Árvore”, mas sim por uma outra mais complexa, designada de “semilattice” (em português livre, algo de semelhante a semitrama). O artigo é marcante, pois sistematiza a crítica de Alexander à incapacidade de arquitetos e urbanistas criarem cidades artificiais em contraponto da complexidade das cidades naturais. Um dia voltarei ao significado dessa tese.

Por agora, interessa sublinhar que a história não ficou por aqui. A leitura de “A City is not a tree” despertou-me interrogações e curiosidade, sobretudo porque dei comigo a pensar por que razão nas minhas incursões pelas teorias de planeamento e do urbanismo a obra de Alexander não me tinha saltado com naturalidade. Percebi depois que Alexander é um crítico violento da modernidade na arquitetura e dos desastres de convivialidade e de condições de vida que tem gerado e talvez esteja aí a razão para o seu apagamento.
Mas todas estas interrogações preencheram uma função bem precisa na minha errática pesquisa. Tratava-se de uma entrada que não pude deixar de abrir, ou seja o artigo “A City is not a tree” vai-me levar a novas leituras sistemáticas, compensando aquilo que penso ser uma lacuna que ainda estou a tempo de compensar.
Christopher Alexander, Professor Emérito em Berkeley, evoluiu para uma obra de fim de carreira, simultaneamente fonte de investigação para muitos que iniciam a sua pesquisa, uma obra monumental de quatro volumes, que tem por título global The Nature of Order – An Essay on the Art of Building and the Nature of Universe. Ontem, mergulhei no primeiro volume The Phenomenon of Life e tudo se conjuga para uma leitura obsessiva que levará tempo. Tenho a intuição de que a minha forma de encarar o planeamento não será a mesma depois de mergulhar nesta obra monumental, o que não deixa de ser um enorme aliciante mesmo aos 65 anos.

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