Referi-me aqui, em posts recentes (26 e 31 de outubro), aos resultados dos stress tests que o BCE e a EBA conduziram. Um tema perfeitamente essencial para todos quantos associem estreitamente, e com todo o fundamento, crescimento das economias e saúde do sistema financeiro. Mas também uma matéria cujo esclarecimento está longe de poder ser considerado devidamente fechado – vejam-se as declarações autoelogiosas e enroladas da principal responsável pelo exercício, a senhora Nouy, uma personagem que parece mais preocupada com a forma como deve lidar com os desequilíbrios imputáveis a certas entidades bancárias dos países grandes e com o acautelar da sua própria posição do que com a substância e transparência do importante serviço público que tem sob sua responsabilidade. Ainda hoje não é claro, p.e., como interpreta a dita, e objetivamente porquê, a avaliação negativa que foi atribuída ao nosso BCP.
Pois nem de propósito, a polémica está ao rubro nos meios especializados devido ao facto de uma instituição americana – o “Volatility Institute” da “Stern School” da “New York University” – ter produzido um trabalho (SRISK) em torno da mesma temática mas de outputs profundamente diversos. E se é certo que as metodologias utilizadas são, também elas, diferentes, não o é menos que daí parece decorrer uma necessária e positiva menor absolutização dos testes do BCE. Como escrevia o “Financial Times”: “se acreditarmos que as entidades financeiras valorizam sempre apropriadamente os seus ativos e nunca tentam massajar o valor do seu capital e se acreditarmos que os funcionários são sempre diligentes ao examinarem a contabilidade dos bancos, então o SRISK é uma perda de tempo. Mas, se acreditarmos nisto, não estivemos atentos à última década.”
Embora não seja um especialista na matéria, entendo o sumo da discussão metodológica. A saber: enquanto o BCE conduziu uma avaliação abrangente de um conjunto de bancos europeus (analisando detalhadamente os seus balanços, cruzando informações recolhidas por equipas dedicadas de inspetores e pelos reguladores nacionais e submetendo os dados assim obtidos a exigentes simulações econométricas), os stress tests alternativos dos académicos liderados por Viral Acharya centram-se em trabalhos longamente maturados e assentes numa medida do equity de um banco a partir da sua capitalização de mercado (e não no book value contabilístico) e numa análise integral dos balanços bancários (e, portanto, dissociada de considerações específicas quanto ao risco dos diferentes itens). E explicam tais opções com base em três fundamentos: (i) “os mercados disseram-nos que os MBS subprimes se tinham tornado pobres em qualidade e liquidez, enquanto os book values e os pesos dos riscos regulatórios não”; (ii) “os valores de mercado são também mais difíceis de ser manipulados pela gestão através da subvalorização de perdas e provisões”; (iii) “as crises bancárias são causadas pela esterilização do crédito por parte dos financeiros” e “os financeiros não estão interessados no book value ou no capital regulatório per se, mas sim se a empresa, precisando, pode levantar capital para lhes pagar”, “o que é melhor capturado pelo valor de mercado”.
Em síntese, os defensores dos stress tests alternativos apresentam-nos como correspondendo a um esforço no sentido de conceber testes à segurança dos bancos que possam ser corridos a todo o tempo de modo simples e transparente e não em função de impulsos dos reguladores. Ao que os seus críticos retorquem: “Confiando numa medida que tenta evitar o complicado trabalho – escrupulosamente desenvolvido pelo BCE – de avaliar a qualidade dos ativos bancários e utilizando em vez disso dados públicos como ativos contabilísticos (usando um ajustamento muito grosseiro para harmonizar diferenças de normas contabilísticas) e exprimindo-os em proporção da capitalização de mercado e da volatilidade do preço do capital, a metodologia dos stress tests alternativos da NYU produz uma métrica muito insensível ao risco e primariamente determinada pela dimensão de ativos contabilísticos e pela volatilidade das cotações das ações”.
Mas vamos finalmente ao substantivo, o enigma que uns e outros reconhecem nos respetivos resultados (ver o quadro que abre este post). O caso mais gritante é o da França, já que a “excelente” performance dos bancos franceses nos testes do BCE contrasta com a qualificação do sistema financeiro francês como o mais frágil da Europa à luz dos testes alternativos – uma bagatela que vai de uma escassez de capital perante uma crise de zero (BCE) a 189 mil milhões de euros (NYU) em termos de estrita comparação de amostra, mas chegando esta a 400 mil milhões para o conjunto do sistema. Situação idêntica para os bancos alemães (de zero a mais de 102 mil milhões de euros em potencial falta). Sendo ainda que, enquanto a estimativa da subcapitalização na Zona Euro não chega a 20 mil milhões de euros nos testes do BCE, a mesma ascende a mais de 450 mil milhões nos da NYU. Quoi, donc?
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