sexta-feira, 21 de novembro de 2014

TTIP, VITAL?


No quadro de uma organização conjunta das Fundações AEP e Serralves, Vital Moreira (VM) fez há dias uma conferência no Porto transmitindo a sua perspetiva sobre o impacto da política de comércio externo da União Europeia (UE) em Portugal e, em especial, o acordo com os Estados Unidos da América (EUA). Uma matéria sobre a qual adquiriu experiência e conhecimento relevante durante o seu recente mandato no Parlamento Europeu (2009/2014), presidindo competentemente à Comissão respetiva.

Deixo aqui de lado eventuais pontos de polémica ou discordância em torno de algumas questões, quer do foro teórico quer de maior incidência normativa, que VM se limitou a aflorar e em que foi, a meu ver e talvez por isso, menos consistente do que em todo o restante conteúdo (claro, informativo e de grande atualidade e relevância).

VM, embora acreditando firmemente que o TTIP (“Transatlantic Trade and Investment Partnership”) seria o mais impactante dos eventos, em termos de efeitos sobre a economia portuguesa, depois da nossa adesão comunitária, acabou por se mostrar muito cético quando à sua possível concretização nas condições políticas presentemente prevalecentes de um e outro lado do Atlântico (Obama não tem o acordo do Congresso e está em evidente perda, a UE continua a evoluir de impasse em impasse e sob uma crescente pressão política dos seus opositores mais extremados). Com uma agravante adicional, incidindo na área da resolução de litígios de investimento: a recente mudança de posição alemã em desfavor da arbitragem internacional, ao que se diz muito em linha com o seu abandono do nuclear e a simpatia do SPD pelos interesses de uma empresa de capitais suecos sediada em Hamburgo que vencera concursos prévios, poderá fazer desta “o abcesso” capaz de determinar que o acordo “acabe chumbo miseravelmente no Parlamento Europeu”.

Neste sentido, tudo quanto seguidamente se diga sobre a importância da matéria está necessariamente fortemente delimitado por estas prováveis realidades factuais em seu prejuízo. E de que se trataria então? No tocante ao acordo propriamente dito, da sua extraordinária dimensão e ambição (estendendo-se até convergências regulatórias e compras públicas) e da sua significância em termos de uma resposta ainda possível de ser organizada (padrões comuns de liberalização e regulação do comércio internacional) à gigantesca ofensiva global chinesa.

No tocante a Portugal, o que mais importa constatar é que seríamos um dos países comparativamente mais beneficiados com o acordo (nomeadamente por razões associadas às altas tarifas em práticas nos EUA na maioria dos produtos em que se concentra a nossa especialização produtiva) mas sobretudo o seu potencial de game changer para um país (como o nosso) que já foi largamente perdedor em três situações recentes e de alcance semelhante (a criação da moeda única, a entrada da China na OMC e o alargamento da UE a Leste): uma rara oportunidade para alavancar a nossa posição geoestratégica, puxando pela vertente atlântica da Europa.

Termino com dois detalhes talvez não desprezíveis. Por um lado, sobre o caráter cada vez menos convincente dos estudos disponíveis nesta e em outras matérias: pressupostos simplistas, estimativas grosseiras, resultados duvidosos (p.e., as exportações de um para o outro lado a aumentarem mais de 25% ou o crescimento económico europeu a aumentar em 0,5 a 1%) – ainda alguém se lembra do que foram as previsões sobre os milagres que adviriam da nossa adesão à CEE ou do mercado único europeu? Por outro lado, sobre o caráter também não inteiramente convincente com que VM respondeu a uma pergunta do Professor Valente de Oliveira quanto à eventual viabilidade de uma política de pequenos passos (ou tudo ou nada, ripostou, porque não há espaço para tradeoffs se o âmbito não for abrangente – será?).

Ah, e em tempo: enquanto os agentes económicos e políticos, como quase sempre acontece à boa maneira portuguesa, permanecem largamente alheios ou pouco intervenientes em relação ao que se vai passando (mesmo quando tal pudesse ser favorável a interesses próprios ou nacionais), o espaço público vai sendo dominado pelo ruído e pelo sectarismo. Veja-se, como ilustração, o que a propósito opinou o comentador/especialista Daniel Oliveira...

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