domingo, 9 de novembro de 2014

AINDA SOBRE O KIKO



Não me perdoaria se aqui não me despedisse também do “Kiko” (Artur Castro Neves, Porto, 1944-2014). Conheci-o em 1974 como colega de docência na Faculdade de Economia da Universidade do Porto e nestes quarenta anos fomo-nos cruzando amiudadamente, entre amizades e causas comuns. Tinha formação em Sociologia mas sempre se dedicou, mais que tudo, a uma enorme diversidade de matérias, no quadro de uma cidadania atenta, generosa e permanentemente sobressaltada. Intelectualmente, era um estudioso das políticas públicas focadas na economia do imaterial e no que considerava os fatores críticos de crescimento e competitividade na sociedade contemporânea (setor audiovisual e multimédia, economia da internet, criação cultural, língua portuguesa).

Recebia com regularidade do Kiko correios electrónicos contendo reflexões, sugestões ou desabafos. Um dos últimos, em junho, divulgava uma contribuição pessoal escrita para o debate parlamentar sobre os temas levantados pelo “Manifesto dos 74” e explicava adicionalmente aos seus contactados a opção que tomara no sentido de o subscrever (sublinhando, sobretudo, a sua motivação por uma “iniciativa agregadora de consciência coletiva”).

Cito duas passagens ilustrativas do seu pensamento sobre a realidade portuguesa atual. A primeira respeita às duas constatações básicas em que assenta esse seu pensamento, a saber: (i) “a economia portuguesa tem um problema de crescimento e de produtividade anterior à crise de pagamentos, nascido provavelmente com o fim do império colonial e revelado com o modelo de desenvolvimento adotado após a adesão à então designada CEE, assente na poupança (pública) externa”; (ii) “ao problema histórico-estrutural do crescimento e produtividade, o atual governo, inspirado por uma visão caótica dos credores institucionais de Portugal, optou por uma política orçamental de ajustamento financiada pelo crescimento desmesurado da dívida pública, tornando-a insustentável e praticamente impagável, adicionando assim um novo problema ao nosso sistema económico”.

A segunda tem a ver com a sua defesa de que a sustentabilidade da dívida é prioritária em relação ao equilíbrio orçamental, considerando assim um “a eleição dos equilíbrios das contas públicas e da balança comercial como metas político-económicas prioritárias” como um “erro (económico) de palmatória”. Acrescentando: “erro económico mas com racional político, porquanto o ajustamento serviu, e bem, os interesses dos gestores financeiros, dos rentistas e dos especuladores, embora preterindo os investidores de longo curso, os futuros pensionistas e as condições dinâmicas de sustentabilidade da dívida que foi aumentando com o ajustamento”.

Que mais posso dizer que não seja enviar-lhe as minhas “saudações amigas”, como ele tantas vezes nos fazia?

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