Como sublinhei no post anterior, a minha capacidade de seguir as incidências do
congresso do PS foi reduzida, tendo reservado a minha escassa disponibilidade
para o discurso de encerramento de António Costa. Na antecâmara desse discurso,
fiquei algo petrificado pelo não clímax do anúncio das diferentes
personalidades eleitas para o secretariado, o que parecia dar razão a alguns sound bytes segundo os quais o congresso
estava a ser algo de intermédio entre um velório e uma missa pela alma de alguém.
Mas o discurso de António Costa rapidamente secou
tais augúrios, fazendo-me perceber que o PS está hoje profundamente dependente
do poder e da energia de Costa para agitar as águas e conduzi-las a boa foz.
Em meu entender, o discurso final de Costa foi
sobretudo uma clarificação dos termos da alternativa a construir em ambiente
pesado e com muitos obstáculos a ultrapassar. Uma clarificação sem ser um
programa de governo, como só a dinâmica eleitoral futura irá permitir afinar. Uma
clarificação da agenda europeia que o PS defenderá, da agenda nacional que há de
balizar os compromissos de mais longo prazo e da agenda eleitoral que terá de
ser preparada com toda a minúcia.
Um discurso onde se denominaram as coisas pelas
suas verdadeiras dimensões, sem subterfúgios e sobretudo um discurso finalmente
voltado para os problemas concretos (Costa chamou-lhes histórias de vida) das
pessoas, sobretudo daquelas mais atingidas pelas incidências da crise e pela
insensibilidade social deste governo e das suas gerações mais focadas no
Portugal novo que associaram aos efeitos do programa de ajustamento e resgate
financeiro. Como é óbvio, só a dinâmica concreta da governação irá permitir
antever como é que no projeto de governação de Costa essas questões concretas
das famílias mais concretas serão resolvidas na batalha das escolhas públicas
que a alternativa desejada irá enfrentar. Mas a forma como o discurso foi colocado
é já uma transformação decisiva de tudo quanto Costa tinha comunicado até
agora. E o PS racional de Costa foi capaz de um momento de rara beleza e forte
significado, de grande abertura ao PS emocional, quando em pleno discurso ele é
interrompido para que a incontornável Maria Céu Guerra subisse ao púlpito e lesse
os 34 nomes das mulheres vítimas, assassinadas, em processos de violência doméstica.
Um grande momento de comunicação, que me arrepiou da cabeça até aos pés e que
marca um congresso e sobretudo o tão desejado falar para fora de que Costa era
acusado de não praticar.
Mas não se ficou por aqui. Clarificou o tabu do
bloco central e do tal desejado compromisso que Cavaco tanto tem apregoado. Se
se combatem determinadas políticas não se estabelecem compromissos com quem é
responsável pelas mesmas. E o problema não é de Pedro, nem de Paulo. O problema
está nas convicções que Pedro e Paulo apadrinham. E ainda alguns recados
interessantes para a esquerda. Só é possível discutir à esquerda com quem
queira ser parte da solução e não ser apenas mealheiro de protesto, ou seja não
valerá a pena gastar recursos de cooperação com quem não está efetivamente
interessado em experimentar as escolhas da governação. Uma forma inteligente
que Costa encontrou para distinguir no seu discurso o Livre e os esforços de
Daniel Oliveira e Ana Drago para discutir essas escolhas da governação sem
necessariamente ter que integrar os efetivos de um futuro governo de
alternativa.
Podem dizer-me que são as ideias e não as pessoas
que interessam. Mas não pude deixar de me interrogar o que teria sido aquele
discurso proferido por um António José Seguro mesmo que partilhasse
integralmente as ideias que Costa hoje apresentou. Só isso bastaria para
justificar a posteriori o afrontamento que conduziu o PS às suas primárias para
primeiro-Ministro.
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