domingo, 30 de novembro de 2014

CLARIFICANDO OS TERMOS DA ALTERNATIVA



Como sublinhei no post anterior, a minha capacidade de seguir as incidências do congresso do PS foi reduzida, tendo reservado a minha escassa disponibilidade para o discurso de encerramento de António Costa. Na antecâmara desse discurso, fiquei algo petrificado pelo não clímax do anúncio das diferentes personalidades eleitas para o secretariado, o que parecia dar razão a alguns sound bytes segundo os quais o congresso estava a ser algo de intermédio entre um velório e uma missa pela alma de alguém.
Mas o discurso de António Costa rapidamente secou tais augúrios, fazendo-me perceber que o PS está hoje profundamente dependente do poder e da energia de Costa para agitar as águas e conduzi-las a boa foz.
Em meu entender, o discurso final de Costa foi sobretudo uma clarificação dos termos da alternativa a construir em ambiente pesado e com muitos obstáculos a ultrapassar. Uma clarificação sem ser um programa de governo, como só a dinâmica eleitoral futura irá permitir afinar. Uma clarificação da agenda europeia que o PS defenderá, da agenda nacional que há de balizar os compromissos de mais longo prazo e da agenda eleitoral que terá de ser preparada com toda a minúcia.
Um discurso onde se denominaram as coisas pelas suas verdadeiras dimensões, sem subterfúgios e sobretudo um discurso finalmente voltado para os problemas concretos (Costa chamou-lhes histórias de vida) das pessoas, sobretudo daquelas mais atingidas pelas incidências da crise e pela insensibilidade social deste governo e das suas gerações mais focadas no Portugal novo que associaram aos efeitos do programa de ajustamento e resgate financeiro. Como é óbvio, só a dinâmica concreta da governação irá permitir antever como é que no projeto de governação de Costa essas questões concretas das famílias mais concretas serão resolvidas na batalha das escolhas públicas que a alternativa desejada irá enfrentar. Mas a forma como o discurso foi colocado é já uma transformação decisiva de tudo quanto Costa tinha comunicado até agora. E o PS racional de Costa foi capaz de um momento de rara beleza e forte significado, de grande abertura ao PS emocional, quando em pleno discurso ele é interrompido para que a incontornável Maria Céu Guerra subisse ao púlpito e lesse os 34 nomes das mulheres vítimas, assassinadas, em processos de violência doméstica. Um grande momento de comunicação, que me arrepiou da cabeça até aos pés e que marca um congresso e sobretudo o tão desejado falar para fora de que Costa era acusado de não praticar.
Mas não se ficou por aqui. Clarificou o tabu do bloco central e do tal desejado compromisso que Cavaco tanto tem apregoado. Se se combatem determinadas políticas não se estabelecem compromissos com quem é responsável pelas mesmas. E o problema não é de Pedro, nem de Paulo. O problema está nas convicções que Pedro e Paulo apadrinham. E ainda alguns recados interessantes para a esquerda. Só é possível discutir à esquerda com quem queira ser parte da solução e não ser apenas mealheiro de protesto, ou seja não valerá a pena gastar recursos de cooperação com quem não está efetivamente interessado em experimentar as escolhas da governação. Uma forma inteligente que Costa encontrou para distinguir no seu discurso o Livre e os esforços de Daniel Oliveira e Ana Drago para discutir essas escolhas da governação sem necessariamente ter que integrar os efetivos de um futuro governo de alternativa.
Podem dizer-me que são as ideias e não as pessoas que interessam. Mas não pude deixar de me interrogar o que teria sido aquele discurso proferido por um António José Seguro mesmo que partilhasse integralmente as ideias que Costa hoje apresentou. Só isso bastaria para justificar a posteriori o afrontamento que conduziu o PS às suas primárias para primeiro-Ministro.

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