sexta-feira, 21 de novembro de 2014

COUTO E LELLO: MAS QUE DUPLA!



A questão da reposição das subvenções vitalícias a ex-titulares de cargos políticos tem certamente cambiantes de âmbito jurídico que o vulgar dos mortais, ainda atordoados pelas sequelas do resgate financeiro, terá extrema dificuldade em compreender. A deputada Isabel Moreira não é certamente uma alucinada desprovida de cultura jurídica, pelo que se aceita que tenha encontrado problemas de inconstitucionalidade na manutenção da proibição. A deputada lá terá as suas razões para suscitar a inconstitucionalidade da sua manutenção, considerando tal matéria um tema fraturante.
Mas o problema é outro. Podemos até dar de barato que o cidadão eleitor apreciará que os deputados que ajudou a eleger não sejam desprovidos de cultura jurídica, embora certamente gostassem de os ver mais distanciados dos principais escritórios de advocacia. Afinal, são chamados a aprovar ou a discutir leis e decretos-leis representativos da arquitetura jurídica do país, pelo que se recomenda que não sejam inaptos, desconhecedores ou ausentes nessas matérias. Mas, por outro lado, quando elegemos os deputados admitimos se calhar benevolamente que são dotados de capacidades mínimas de senso político, para interpretar convenientemente o sentir da opinião pública que alegadamente representam.
Ora, neste caso de avanço e recuo da “coligação informal” PSD – PS em matéria de reposição dessas subvenções, que se traduziu numa iniciativa legislativa de complemento de Orçamento Geral do Estado para substituir pragmaticamente o suscitar da eventual inconstitucionalidade (veja-se a explicação de Couto dos Santos ao Económico), os deputados envolvidos revelam não ser capazes de interpretar o senso político da opinião pública, não resistindo à tentação de melhorar a casa própria. A vidinha está difícil, Lisboa está cara, há hábitos que se ganham e não mais se perdem e, por isso, é necessário precaver o futuro e optar por modalidades de retribuição que possam resistir a uma eventual insustentabilidade da segurança social. Nestas coisas, as coincidências não devem ser entendidas como tais e representam muito mais do que isso. A harmonia das coisas aparece, dominadora, quando vemos que os promotores de tão compreensível aliança PSD-PS são Couto dos Santos e José Lello. Bastarão uns arzinhos de finura política para o cidadão perceber que Couto e Lello pertencem a uma geração de políticos que não ficará na história, com aquela perceção estranha que todos temos que há gente que dá menos à política do que esta lhes proporciona. Bem sei que os próprios argumentarão que o Parlamento não deve estar refém de ondas populistas de indignação política e que, por isso, se é pressentida alguma inconstitucionalidade ela deve ser acionada. Pois. Mas o problema não é esse. Se o fosse deveriam suscitar o pedido de avaliação de inconstitucionalidade. Fazê-lo por via do Orçamento Geral do Estado não é propriamente afirmar o jurídico sobre o político.
O avanço e recuo no Parlamento fica como mais um exemplo de caricatura política e pelo menos o PSD não se furtou a curar as feridas de tal exposição. Quanto ao PS, o mutismo geral e a intervenção arrebatada de Vieira da Silva apenas evidenciam que António Costa vai ter de se dotar de boas vassouras para introduzir alguma clarividência política nas suas hostes. Não se entende a posição da Direção do Grupo Parlamentar nesta matéria. O Bloco de Esquerda tão necessitado de cuidados continuados e respiração assistida agradeceu o presente e ficará inequivocamente como o bloqueador da iniciativa com o pedido de passagem a votação em plenário. Estamos aviados de capacidade de interpretar o sentimento político da opinião pública, sobretudo quando ao abrigo de uma pretensa desconformidade jurídica os deputados se colocam voluntariamente nas malhas do interesse próprio. E depois são capazes de realizar grandes elaborações sobre a degradação das relações entre os cidadãos e os fazedores da política. Valha-nos a providência profunda.

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