A questão da reposição das subvenções vitalícias a
ex-titulares de cargos políticos tem certamente cambiantes de âmbito jurídico
que o vulgar dos mortais, ainda atordoados pelas sequelas do resgate
financeiro, terá extrema dificuldade em compreender. A deputada Isabel Moreira
não é certamente uma alucinada desprovida de cultura jurídica, pelo que se aceita que tenha encontrado problemas de inconstitucionalidade na manutenção da proibição. A deputada lá terá as suas razões para suscitar a inconstitucionalidade da
sua manutenção, considerando tal matéria um tema fraturante.
Mas o problema é outro. Podemos até dar de barato
que o cidadão eleitor apreciará que os deputados que ajudou a eleger não sejam
desprovidos de cultura jurídica, embora certamente gostassem de os ver mais
distanciados dos principais escritórios de advocacia. Afinal, são chamados a
aprovar ou a discutir leis e decretos-leis representativos da arquitetura jurídica
do país, pelo que se recomenda que não sejam inaptos, desconhecedores ou
ausentes nessas matérias. Mas, por outro lado, quando elegemos os deputados
admitimos se calhar benevolamente que são dotados de capacidades mínimas de
senso político, para interpretar convenientemente o sentir da opinião pública
que alegadamente representam.
Ora, neste caso de avanço e recuo da “coligação
informal” PSD – PS em matéria de reposição dessas subvenções, que se traduziu
numa iniciativa legislativa de complemento de Orçamento Geral do Estado para
substituir pragmaticamente o suscitar da eventual inconstitucionalidade
(veja-se a explicação de Couto dos Santos ao Económico), os deputados
envolvidos revelam não ser capazes de interpretar o senso político da opinião pública,
não resistindo à tentação de melhorar a casa própria. A vidinha está difícil,
Lisboa está cara, há hábitos que se ganham e não mais se perdem e, por isso, é
necessário precaver o futuro e optar por modalidades de retribuição que possam
resistir a uma eventual insustentabilidade da segurança social. Nestas coisas,
as coincidências não devem ser entendidas como tais e representam muito mais do
que isso. A harmonia das coisas aparece, dominadora, quando vemos que os
promotores de tão compreensível aliança PSD-PS são Couto dos Santos e José
Lello. Bastarão uns arzinhos de finura política para o cidadão perceber que Couto e
Lello pertencem a uma geração de políticos que não ficará na história, com
aquela perceção estranha que todos temos que há gente que dá menos à política
do que esta lhes proporciona. Bem sei que os próprios argumentarão que o
Parlamento não deve estar refém de ondas populistas de indignação política e
que, por isso, se é pressentida alguma inconstitucionalidade ela deve ser
acionada. Pois. Mas o problema não é esse. Se o fosse deveriam suscitar o
pedido de avaliação de inconstitucionalidade. Fazê-lo por via do Orçamento
Geral do Estado não é propriamente afirmar o jurídico sobre o político.
O avanço e recuo no Parlamento fica como mais um
exemplo de caricatura política e pelo menos o PSD não se furtou a curar as
feridas de tal exposição. Quanto ao PS, o mutismo geral e a intervenção
arrebatada de Vieira da Silva apenas evidenciam que António Costa vai ter de se
dotar de boas vassouras para introduzir alguma clarividência política nas suas
hostes. Não se entende a posição da Direção do Grupo Parlamentar nesta matéria.
O Bloco de Esquerda tão necessitado de cuidados continuados e respiração
assistida agradeceu o presente e ficará inequivocamente como o bloqueador da
iniciativa com o pedido de passagem a votação em plenário. Estamos aviados de capacidade
de interpretar o sentimento político da opinião pública, sobretudo quando ao
abrigo de uma pretensa desconformidade jurídica os deputados se colocam voluntariamente
nas malhas do interesse próprio. E depois são capazes de realizar grandes
elaborações sobre a degradação das relações entre os cidadãos e os fazedores da
política. Valha-nos a providência profunda.
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