quinta-feira, 27 de novembro de 2014

ENGENHARIA FINANCEIRA À EUROPEIA

(Agustin Sciammarella, http://elpais.com)

Pessoalmente, quero insistir na ideia de que não apenas já não estou em idade de acreditar em milagres como também não sou grande fã das artes da prestidigitação. Embora, e contra toda aquela poderosa lógica do “quem não tem dinheiro não tem vícios”, sejam esses os formatos (estudos e projeções sempre pintados de cor-de-rosa muito vivo) em que irreparavelmente se viciou a construção europeia de que nos vai sendo dado ser parte. De que estarei eu para aqui a bitaitar, perguntar-se-á com toda a propriedade. Pois do EFSI (“European Fund for Strategic Investments”) que Juncker ontem apresentou publicamente com a melhor pompa de que foi capaz, dizendo-se em devido cumprimento de uma promessa – a saber, aquela de que iria mobilizar 300 mil milhões de euros para promover o tão depauperado investimento na Europa.

Veja-se abaixo a descrição esquemática do portentoso prodígio que vai levar a Europa back to business (disse Juncker) e que faz Pittella considerar que o Grupo S&D “pode agora estar orgulhoso desta proeza” [a “mudança de paradigma” em relação ao “dogma da austeridade cega”], ou seja, que nos rumará a um quase Paraíso terrestre neste nosso Velho Continente. Sendo desde logo de registar que o capital vivo inicialmente comprometido pelas instituições comunitárias se limita à fortuna de 5 mil milhões de euros (um montante superior portanto, ma non troppo todavia, ao que foi envolvido pelas nossas autoridades no “Novo Banco”), ao qual se pretenderão somar garantias públicas europeias no valor de mais 16 mil milhões.


Os socialistas (ver esquema abaixo) e os liberais ainda tentaram dar o seu contributo para o desenho da iniciativa, em termos simultaneamente mais ambiciosos e mais realistas consoante os tópicos (dinheiro público envolvido e suas origens, efeitos multiplicadores, tipos de investimento, etc.), mas acabaram circunscritos a um papel de crentes não praticantes. Sendo que muitos social-democratas chegaram mesmo a sonhar com uma verdadeira retoma keynesiana e sabendo-se, p.e., que o ministro francês da Economia chegou a reclamar “pelo menos 60 a 80 mil milhões de dinheiro fresco europeu” por forma a que não viéssemos a ficar perante um flop.


Ora, o que nos é dito, com pesporrência q.b., é que estes 21 mil milhões serão uma espécie de pão a ser objeto de um duplo toque multiplicador de varinha mágica, o primeiro de fator 3 destinada a assegurar a imprescindível capacidade de financiamento e o segundo de fator 5 decorrente da desejada mobilização de investidores privados para os projetos. No final das contas, temos então um rácio de alavancagem de 15 (os documentos preparatórios referiam mesmo um rácio de 18 decalcado do falhado Growth Compact de 2012), assim: 21€ * 3 = 63€ e 63€ * 5 = 315€ (destes, 75 mil milhões terão aplicação obrigatória em PME’s e mid-cap’s e os restantes 240 alimentarão grandes projetos estratégicos e de longo prazo à escala europeia – o “El País” de domingo já apresentava um primeiro conjunto de elementos quantitativos quanto à mobilização dos vários países para a indicação de projetos a financiar, com Portugal e a Alemanha a apresentarem-se como dois dos três grandes ausentes, nós imagina-se que por bom comportamento e eles que para não espantarem a caça). E agora não digam que o homem não honrou a sua palavra...

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