Ainda não estou em mim! Assistia eu ao telejornal da noite num dos canais nacionais quando a dado momento o mesmo foi para intervalo; optei então pelo habitual vício do zapping na procura de algo diferente da terrível publicidade. Mas TVI, SIC e RTP estavam todas nessa onda e acabei por sintonizar o “Porto Canal”, onde surpreso constatei que perorava a propósito do recente surto de legionella um personagem que há muito não tinha o prazer de ouvir em direto e que, pelos vistos, agora comenta por lá às Segundas-Feiras: o inefável Pedro Arroja, professor como lhe chamava a inocentemente embevecida apresentadora do “Jornal Diário” (Ana Rita Basto). Fiquei de imediato preso ao ecrã e, terminada a magistral lição, voltei atrás para ouvir a peça completa – e confesso que valeu bem a pena, porque ainda não consegui fechar a boca de espanto com tanto medievalismo veiculado com ar doutoral e embrulhado num populismo de trazer por casa.
Ouvi a referida criatura começar por afirmar que existe, da parte do Ministério da Saúde e, em particular, da Direção-Geral de Saúde, uma “atuação sistemática no sentido de causar medo na população, de a assustar, de a atemorizar”. E explicar que “este assustar a população tem em vista atemorizar as pessoas, causar-lhes medo, e portanto torná-las dependentes dos serviços de saúde”, não se coibindo ainda de adicionar uma pitada de cientificidade, recorrendo despropositadamente à velha lei de Say: “os serviços de saúde são um dos raros casos em que um economista diz que têm potencial para criar a sua própria procura”.
Porque, “ao contrário daquilo que se diz, existe excesso de capacidade no Serviço Nacional de Saúde” e “é por isso que os hospitais têm andado a fechar nos últimos anos – o mesmo na educação”; porque “se existisse pouca capacidade, nós teríamos era hospitais a abrir”. E, portanto, “precisam de criar utentes para o Serviço Nacional de Saúde – nada como assustar a população”.
A moral política, essa, também não faltou: “governar é proteger a população, mas isto que o Ministério da Saúde está fazer não é proteger a população – o que está a fazer é assustar a população para depois, alegadamente, se apresentar como protetor”. Mais: “Se eles fossem verdadeiros protetores, o surto de legionella em Vila Franca de Xira nunca tinha aparecido”. Ora ele, se fosse ele, mandaria “todos os técnicos de todas as áreas” para lá para identificar a causa, acabar com ela (ver a sugestiva imagem abaixo) e, depois sim, avisar a população dando-lhe a boa notícia de um problema resolvido.
(Unknown - Scanned from Dobson, Mary J.
(2008) Disease, Englewood Cliffs, N.J: Quercus, p. 157)
Ouvi ainda a seguinte pérola à referida criatura: “na semana passada, saiu um relatório do Observatório Nacional da Diabetes que diz que existe um milhão de diabéticos em Portugal mas quatrocentos mil não sabem – portanto, eu posso ser um dos que tem diabetes mas não sei; eu não compreendo é como é que eles sabem; eu não sei mas eles sabem”. E prosseguir com uma referência à estimativa do mesmo relatório de que o número de diabéticos vai duplicar nos próximos dez anos e a que 40% da população portuguesa será pré-diabética, para concluir que tal “não cabe na cabeça de ninguém” e que, embora sob uma aura de estudos científicos, se trata de “pura banha da cobra”.
Sendo que, mais à frente, teria o cuidado de ser mais explícito: “nós não conseguimos prever o tempo que fará para a semana, como é que conseguimos prever se eu serei diabético daqui a dez anos e que 40% da população terá diabetes daqui por dez anos?”. E, numa tirada quase tão brilhante como a anterior, arrumaria assim o assunto: “nós não conseguimos prever o ‘Euromilhões’ e tentar prever se amanhã tenho um cancro disto ou daquilo é um exercício inútil”.
Ouvi outras coisas maravilhosas à referida criatura. Como, por exemplo, e a respeito de dois “conselhos desconcertantes” (não tomar duche mas beber água à vontade): “eu sei que há uma explicação sofisticada para tornar estar duas coisas compatíveis, mas precisamente porque é sofisticada eu não acredito nela – porque a verdade é simples”. Ou a afirmação de que, por razões políticas, “as autoridades públicas nunca vão dizer que não se pode beber água” e de que, se tal é verdade em Vila Franca, mais o será em Lisboa se o surto vier a alastrar para os domínios de António Costa (assim envolvido sabe-se lá porquê). Ou a imbecilidade de que estamos perante uma “cultura importada do Norte da Europa e da América do Norte”, fortemente tributária de técnicas de manipulação – “são ideias e instituições, modos de viver, que vêm lá de cima, das sociedades de massas, das sociedades onde todos são iguais; a ideia da igualdade, tornar todos iguais. O que, neste caso, significa tornar todos medrosos”.
Termino: a minha consideração pelo Júlio Magalhães leva-me a aconselhar-lhe um pouco mais de cuidado nas suas escolhas, quer porque não é com a ostentação de um qualquer diploma que tudo se pode justificar quer porque não é com uma qualquer declaração de ignorância que se podem atenuar responsabilidades públicas objetivas – há necessariamente limites!
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