Escrevo no início da noite de sábado sem ter uma
visão segura do que se tem passado no Congresso do PS e sobretudo sem qualquer
informação sobre o que terá sido a pressão inqualificável de jornalistas à cata
de uma impressão do militante anónimo e de testemunhos fortes sobre a detenção
de José Sócrates. Razões de trabalho afastaram-me da televisão e por isso esta
reflexão é realizada sem rede, isto é, sem evidência segura sobre o que terá
sido hoje o eco do congresso na comunicação social.
Mas, de acordo com a perspetiva que me interessa
assinalar, a reflexão justifica-se qualquer que tenha sido, ou esteja a ser, a
projeção da prisão de Sócrates na dinâmica envolvente do congresso.
As teses do Professor António Damásio e da sua
mulher Hanna sobre as mais recônditas relações entre razão e emoção e todas as
variantes dessa relevante investigação que os Damásio trouxeram à opinião pública
nunca estiveram tão presentes como na presente situação com que o PS se debate.
Explico-me.
Apesar da sua saída de cena em condições
particularmente gravosas para o país, o pedido de resgate financeiro com as
consequências gravosas que são hoje conhecidas, o político José Sócrates não é
uma personalidade indiferente para qualquer militante socialista, dos que estão
mais próximos aos mais afastados do núcleo do poder. A sua trajetória política
e os sucessivos casos menos claros ou mais investigados pela comunicação social,
da mais séria à mais vendável por um prato de lentilhas, normalmente umas
bebidas ou uns bons almoços, deveriam transformá-lo num político de risco para
a maioria desses militantes. Em alguns grupos de militantes esse risco era
apreendido, pelo menos intuído ainda que não necessariamente verbalizado. Mas
depois de quase um trimestre de desabamento de símbolos económicos do regime,
por conseguinte num crescendo de tensão político-mediática, a sua detenção por
presumidas atividades desenvolvidas durante o período em que foi
primeiro-Ministro teria que estar em termos de impacto para além de qualquer
antecipação possível dos riscos de uma trajetória política, por mais
escrutinada que ela tenha sido.
Ainda por cima, num processo judicial de detenção
e determinação de prisão preventiva que não está isento de críticas, todas as
condições estavam criadas para que o PS emocional, dos compagnons de route, da amizade enraizada nas lides político-partidárias,
da empatia entre personalidades, das cumplicidades e dos favores do passado,
teria de emergir sobretudo como reação catártica a um golpe profundo.
O PS racional procurou controlar esse PS
emocional, com a autoridade de António Costa a impor-se, em parte recorrendo ao
chavão de que “o que é da justiça à justiça e o que é da política à política”
(que não deve afastar a hipótese de discussão política sobre as condições de
exercício da justiça), mas alertando principalmente para o facto de que há uma
alternativa a construir ao desconchavo deste governo e umas eleições a ganhar,
faça chuva faça sol, nas piores ou nas más condições.
Como já referi aqui em post anterior, se o PS tivesse realizado uma avaliação política
aberta e serena sobre o consulado político de José Sócrates, não deixando de
mergulhar nos processos políticos que terão resultado da personalidade do então
primeiro-ministro, que não fez, então o PS racional teria melhores condições
para gerir o PS emocional. Estes dois PS vão confrontar-se inevitavelmente nos
próximos tempos e a racionalidade de António Costa vai ter de transferir a
energia emocional para o combate ao desconchavo da atual maioria e sobretudo a
um Passos Coelho, certamente mais remediado em Massamá do que o Sócrates de
Paris, mas que à mais simples oportunidade deixa transparecer a sua postura rasteirinha
de exploração política do tema do enriquecimento ilícito na sua última
entrevista.
Esta reflexão já andava a marinar na minha cabeça
há já alguns dias, mas a crónica de hoje de Pacheco Pereira fez luz no meu
pensamento. A crónica chama-se “O combate político de Sócrates não é o nosso”. Uma
pura verdade. O combate político de Sócrates também não é o meu, o que não
significa que não esteja atento a eventuais desvarios da justiça, acaso eles
estejam a manifestar-se: “Por favor projectem a recusa zangada do Governo para
melhores causas do que o destino político do engenheiro Sócrates”.
Este é o desafio de António Costa e do seu ciclópico
trabalho de aglutinar o PS racional e o PS emocional no combate para uma
alternativa decente de governação, tudo isto apesar da indignação genuína de
Soares alicerçada numa velha ideia de que as amizades devem sobrepor-se à
avaliação política. Não há vida sem cortes e roturas. E o PS dificilmente lhes
escapará nos tempos mais próximos.
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