O rol de comentários, de lágrimas de crocodilo e
outras manifestações de pesar que têm emergido sobre a PT dizem muito do grau
zero de pensamento crítico a que se chegou na sociedade portuguesa.
E uma tentação bem portuguesa e que tanto nos
caracteriza é esta estranha tendência para assobiar para o lado enquanto se
caminha para um precipício qualquer, gerando então, quando se está na eminência
de nele cair, tomadas de posição arrebatadas reclamando intervenções que muito
provavelmente a trajetória de declínio torna inviáveis.
A história da PT está cheia destes traços de
equivocadas tomadas de posição cívicas e sinceramente já não há pachorra para aguentar
tanta verborreia em torno do pretenso interesse nacional.
Em posts
anteriores dei conta do declínio anunciado de fazer do projeto da PT uma
empresa global nacional, colocando Portugal na rota das plataformas globais de
telecomunicações e da transformação do país em nó relevante da economia
digital. Tal como em outras histórias passadas, o declínio dessa ambição começa
inevitavelmente quando o projeto presumidamente nacional se deixa capturar por
um conjunto de interesses privados e por conceções simplesmente afetivas e românticas
de geoestratégia de negócios de trazer por casa. A ideia peregrina que Portugal
e o Brasil podem ser parceiros equilibrados e a esperança desfeita de fazer do
mundo da lusofonia um espaço de geração de valor na economia global deveriam reclamar da nossa parte uma visão mais crítica. Nunca consegui
perceber por que razão os preços das telecomunicações e da economia digital em
geral eram mais altos em Portugal, quando para uma economia menos desenvolvida
sabemos que os serviços têm preços relativos mais baixos do que o observado em
países mais desenvolvidos. O projeto da PT empresa global nunca conseguiu
esclarecer esta profunda contradição que sugere a presença de elevadas rendas
em torno dessa desconformidade de preços. Através de alguns contactos e
conversas com amigos meus do INESC Porto, fui também compreendendo que a ambição
de transformar a PT numa alavanca de investigação e inovação com intensificação
do conhecimento nacional nesta área foi sucessivamente comprometida, entre
outras razões pela aquisição de soluções chaves na mão sem quaisquer hipóteses
de incorporação de conhecimento nacional. Mas ninguém me tira da ideia de que a
localização da PT Inovação em Aveiro nunca foi bem deglutida pelo centro de
poder da PT ao serviço de outras geografias.
Não vou recorrer à inqualificável expressão de “brigada
do resgate” usada pelo ministro Pires de Lima para dar conta do meu total
desacordo com mais essa tomada de posição à beira do abismo. O ministro deve
andar a snifar alguma coisa ou a ter algum encontro de terceiro grau do tipo “You make feel so young” pois algo se
passa na cabeça do governante para enveredar pelo registo de entertainer em fim de carreira que tem
utilizado nas suas últimas intervenções. Em democracia todos têm o direito de
se pronunciar, escolhendo para isso os coletivos e as companhias que melhor
lhes aprouver. Mas em meu entender a tomada de posição de tão largo espectro ideológico de pensamento em relação à PT não contribui rigorosamente nada para
ajudar o cidadão comum a esclarecer-se sobre o que está em jogo (ou que já
esteve em jogo) na desconstrução da PT. A bondosa interpretação deste leque
ideológico tão alargado é que as personalidades signatárias pensam que basta
associar o seu nome a uma declaração para imediatamente informar o cidadão anónimo.
Não é assim, por muito que lhes custe. O caso PT tem uma complexidade incompatível
com tomadas de posição desta natureza. Era necessário uma posição mais pedagógica
sobre questões nevrálgicas e basta-me trazer para a reflexão a situação futura
da infraestrutura digital, por exemplo a rede de banda larga, com os diferentes
cenários de dissolução/venda da PT.
Nesta matéria, estou claramente mais próximo da
clarividência de Pedro Santos Guerreiro no Expresso de hoje do que dos signatários
do resgate da PT. Esta evidência sugere-me que estamos em tempo de profunda
destruição de convenções ideológicas e de “aggiornamiento” de posições. Vale a
pena citar as palavras de PSG:
“(…) No meio
disto a ironia do século nem é Isabel dos Santos aparecer como a portuguesa que
vai salvar a PT. É sentir que ao menos a empresária angolana mandou os
brasileiros passear, enquanto os portugueses se agacham.
Querer andar
para trás é o mais estranho. Resgatar a PT? Pôr dinheiro do Estado numa empresa
que vale pouco mais do que deve? Restabelecer o saudosismo, voltar à empresa
das rendas que acomodava tudo, todos, sempre? A PT perdeu e ao interesse público
interessa pouco mais do que salvar a inovação. O resto é peça de museu e não
consta que ficaremos sem telecomunicações no país. Querer resgatar a PT é mais
do que um erro, é uma afronta às milhares de PME que também são estratégicas
para cada um dos seus sócios e para os trabalhadores que empregam.”
Não diria melhor.
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