sábado, 8 de novembro de 2014

EU CÁ JÁ NÃO VOU EM RESGATES …



O rol de comentários, de lágrimas de crocodilo e outras manifestações de pesar que têm emergido sobre a PT dizem muito do grau zero de pensamento crítico a que se chegou na sociedade portuguesa.
E uma tentação bem portuguesa e que tanto nos caracteriza é esta estranha tendência para assobiar para o lado enquanto se caminha para um precipício qualquer, gerando então, quando se está na eminência de nele cair, tomadas de posição arrebatadas reclamando intervenções que muito provavelmente a trajetória de declínio torna inviáveis.
A história da PT está cheia destes traços de equivocadas tomadas de posição cívicas e sinceramente já não há pachorra para aguentar tanta verborreia em torno do pretenso interesse nacional.
Em posts anteriores dei conta do declínio anunciado de fazer do projeto da PT uma empresa global nacional, colocando Portugal na rota das plataformas globais de telecomunicações e da transformação do país em nó relevante da economia digital. Tal como em outras histórias passadas, o declínio dessa ambição começa inevitavelmente quando o projeto presumidamente nacional se deixa capturar por um conjunto de interesses privados e por conceções simplesmente afetivas e românticas de geoestratégia de negócios de trazer por casa. A ideia peregrina que Portugal e o Brasil podem ser parceiros equilibrados e a esperança desfeita de fazer do mundo da lusofonia um espaço de geração de valor na economia global deveriam reclamar da nossa parte uma visão mais crítica. Nunca consegui perceber por que razão os preços das telecomunicações e da economia digital em geral eram mais altos em Portugal, quando para uma economia menos desenvolvida sabemos que os serviços têm preços relativos mais baixos do que o observado em países mais desenvolvidos. O projeto da PT empresa global nunca conseguiu esclarecer esta profunda contradição que sugere a presença de elevadas rendas em torno dessa desconformidade de preços. Através de alguns contactos e conversas com amigos meus do INESC Porto, fui também compreendendo que a ambição de transformar a PT numa alavanca de investigação e inovação com intensificação do conhecimento nacional nesta área foi sucessivamente comprometida, entre outras razões pela aquisição de soluções chaves na mão sem quaisquer hipóteses de incorporação de conhecimento nacional. Mas ninguém me tira da ideia de que a localização da PT Inovação em Aveiro nunca foi bem deglutida pelo centro de poder da PT ao serviço de outras geografias.
Não vou recorrer à inqualificável expressão de “brigada do resgate” usada pelo ministro Pires de Lima para dar conta do meu total desacordo com mais essa tomada de posição à beira do abismo. O ministro deve andar a snifar alguma coisa ou a ter algum encontro de terceiro grau do tipo “You make feel so young” pois algo se passa na cabeça do governante para enveredar pelo registo de entertainer em fim de carreira que tem utilizado nas suas últimas intervenções. Em democracia todos têm o direito de se pronunciar, escolhendo para isso os coletivos e as companhias que melhor lhes aprouver. Mas em meu entender a tomada de posição de tão largo espectro ideológico de pensamento em relação à PT não contribui rigorosamente nada para ajudar o cidadão comum a esclarecer-se sobre o que está em jogo (ou que já esteve em jogo) na desconstrução da PT. A bondosa interpretação deste leque ideológico tão alargado é que as personalidades signatárias pensam que basta associar o seu nome a uma declaração para imediatamente informar o cidadão anónimo. Não é assim, por muito que lhes custe. O caso PT tem uma complexidade incompatível com tomadas de posição desta natureza. Era necessário uma posição mais pedagógica sobre questões nevrálgicas e basta-me trazer para a reflexão a situação futura da infraestrutura digital, por exemplo a rede de banda larga, com os diferentes cenários de dissolução/venda da PT.
Nesta matéria, estou claramente mais próximo da clarividência de Pedro Santos Guerreiro no Expresso de hoje do que dos signatários do resgate da PT. Esta evidência sugere-me que estamos em tempo de profunda destruição de convenções ideológicas e de “aggiornamiento” de posições. Vale a pena citar as palavras de PSG:
“(…) No meio disto a ironia do século nem é Isabel dos Santos aparecer como a portuguesa que vai salvar a PT. É sentir que ao menos a empresária angolana mandou os brasileiros passear, enquanto os portugueses se agacham.
Querer andar para trás é o mais estranho. Resgatar a PT? Pôr dinheiro do Estado numa empresa que vale pouco mais do que deve? Restabelecer o saudosismo, voltar à empresa das rendas que acomodava tudo, todos, sempre? A PT perdeu e ao interesse público interessa pouco mais do que salvar a inovação. O resto é peça de museu e não consta que ficaremos sem telecomunicações no país. Querer resgatar a PT é mais do que um erro, é uma afronta às milhares de PME que também são estratégicas para cada um dos seus sócios e para os trabalhadores que empregam.”
Não diria melhor.

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