terça-feira, 25 de novembro de 2014

OUTRA EUROPA

(Antoine Moreau-Dusault, http://lemonde.fr)

Hoje, decidi-me pela declaração de que já basta! É que também eu me tenho deixado invadir/capturar pela imensa espuma destes dias e isso não só não é bom para a minha sanidade mental como me desvia a atenção de assuntos verdadeiramente relevantes. Como foi o caso de uma notável entrevista recente do octogenário filósofo alemão Jürgen Habermas (JH) ao jornal “Le Monde”.

O caráter notável da entrevista vai bem para além das importantes mediações de raciocínio que nela vão sendo adiantadas por JH e de que saliento dois posicionamentos críticos (ver caixa abaixo) assumidos com clareza e dotados de especial significância no presente contexto: um, quanto ao aproveitamento próprio e sem escrúpulos da liderança alemã na Europa; o outro, quanto ao apolitismo devastador da proposta da esquerda tradicional segundo a qual, a partir de um diagnóstico correto, se sustenta um mergulho numa impossível deriva nacionalista. JH também descreve Angela Merkel como cultora de “um pragmatismo sem perspetivas” e também nos situa numa Europa envolvida por uma ambiência de “lassitude” que carateriza como “uma mistura fatal de paralisia e de distração”.


Mas é quando olha para a frente que o discurso de JH mais se diferencia. Um discurso onde o abandono do euro e o regresso a moedas nacionais são tratados como “uma descartelização tão radical” quanto inimaginável ou factível. Onde a recuperação da margem perdida de negociação da política face ao mercado é vista como apenas possível através de “um reagrupamento a um nível supranacional”. Onde se esclarece, porém, que “a UE não deve tomar, como pensam os ‘federalistas’, a forma de um Estado federal”. Onde se sublinha, ainda, que “os cidadãos devem poder obter a garantia de que a União Europeia não se transformará num formidável superestado que, já na sua esfera nacional, atingiu um nível perigoso para a liberdade e a igualdade”. E onde se puxa sem reticências pela responsabilidade dos homens políticos: “eles deveriam arregaçar as suas mangas e, diante das suas opiniões públicas, pôr na ordem do dia das respetivas nações as alternativas que se oferecem hoje à Europa” e, mais explicitamente, “seria preciso estabelecer uma aliança entre partidos pró-europeus em cada país” (não sem deixar uma pergunta dirigida à rigidez dos franceses: “hoje, em face da Frente Nacional, o que significa ainda ‘a direita’?”). Apetece-me concluir que talvez não possa haver esperança sem o desconforto de uma aparente utopia...

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