sábado, 15 de novembro de 2014

A GRANDE COLIGAÇÃO


Depois de alguns dias em quarentena, Juncker reapareceu. Até como evidência de como o cuidado emprego das palavras permite quase tudo, valerá bem a pena ler e guardar o registo do início das suas declarações à imprensa, com que falou antes de se deslocar ao Parlamento Europeu: “As decisões fiscais antecipadas são uma prática bem estabelecida em, dizem-me, 22 países membros da União Europeia. Frequentemente a Comissão declarou conformes ao direito comunitário as regras e as vantagens ligadas às decisões antecipadas desde que elas sejam exercidas de maneira não discriminatória, o que quer dizer que todas as empresas e todos os investidores devem ser tratados do mesmo modo, quer dizer sem discriminação. É a lei luxemburguesa que o prevê, são as práticas administrativas do Grão-Ducado que o permitem. Tudo o que possa ter sido feito corresponde às regras legislativas nacionais e às regras internacionais que se aplicam na matéria. É verdade que resulta da interação entre as regras nacionais de uns e as regras nacionais dos outros uma situação que pode conduzir a taxas de imposição fracas. É verdade que desta interação entre regras nacionais diferentes de um país para outro podem resultar situações de imposição que não correspondem a todas as exigências que geralmente enquadram a noção e o conceito de justiça fiscal. É verdade que a aplicação de regras diversas, muito frequentemente antinómicas, diferentes e opostas, pode conduzir a resultados de imposição que não correspondem às normas éticas e morais geralmente admitidas.” Primoroso!

Mas primorosa é também a tática política do grupo socialista e democrata. Com o SPD encostado a Merkel na Alemanha, com Hollande e Renzi amedrontados pela extrema-direita e pelos populistas, com os ingleses voltados para o seu próprio umbigo, está quase paralisada qualquer afirmação diferenciadora do S&D com a gestão do expediente secundário entregue a funcionários sem grande rasgo encabeçados por Schulz e Pittella. E foi este que reagiu a Juncker em comunicado justificativo de mais um momento de “rabo entre as pernas” (embora cheio de flores a cobri-lo), assim concluindo: “E o pior é que, na maior parte destes casos, nenhum regulamento e nenhuma lei foram violados. Nós não podemos tolerar este tipo de situações. Juncker deve mostrar que tem a vontade de ser o desencadeador de uma autêntica revolução contra o dumping fiscal. É a única maneira de obter o poder e a legitimidade necessários para convencer os governos nacionais a assumirem as suas responsabilidades perante os cidadãos europeus. Os olhos das populações europeias estão fixados em nós.”

Ora, ouvindo anteontem o “Quadratura do Círculo”, foi um prestigiado fiscalista e membro de um partido português que é na Europa irmão do de Juncker quem disse: “Este problema que se está a discutir no Luxemburgo é o estabelecimento de pactos secretos sobre a fixação fora da lei, e por ato secreto de um governante, de uma taxa de um imposto. Isso não tem nada a ver com isto. São mecanismos fora da lei, secretos, confidenciais, que infringem todas as regras comunitárias.” Afinal em que ficamos?

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