Aparentemente pouco canónica, esta referência a Fernando de Mascarenhas, pessoa com quem conversei por duas vezes em visitas mais ou menos privadas (salve Victor Wengorovius) ao Palácio Fronteira, esse belíssimo património do barroco português com magníficos jardins e espantosos azulejos. No entanto, esta menção tem a ver com uma razão dupla: algum fascínio e um justo tributo.
Fascínio por um espírito livre. Como mostrou, em 1969, quando cedeu o Palácio à Oposição Democrática (com Jorge Sampaio, entre outras figuras hoje conhecidas) para reuniões clandestinas preparatórias de eleições. Ou como quando se assumia do lado da esquerda (embora não “marquês vermelho” – “nunca fui de um vermelho muito vivo; talvez rosado; apenas votei no PC uma vez, para a Junta de Freguesia” – mas aceitando-se, jocosamente, “marquesista-leninista”) e confessava as suas opções cívico-políticas (“olhei à minha volta e pensei que vivíamos num regime opressivo”, tendo participado depois ao nível estudantil, em atividades anteriores ao 25 de abril no distrito de Portalegre, no apoio a Manuel Alegre e admitindo ir votar em António Costa).
Livre ainda quando não disfarçava a sua natureza excêntrica. Ou quando se referia aos irritantes “comportamentos ostensivos dos novos-ricos” e ilustrava com “uma história que se conta baseada numa conversa que terá havido entre o Amorim e o Jorge de Mello”: “O Amorim diz: ‘Sabe, sou um dos homens mais ricos do país’; ao que o Jorge de Mello terá respondido: ‘Eu também já fui, mas não o dizia’”. Ou quando se confessava leitor de Harry Potter “de uma ponta à outra”. Ou quando, em entrevista ao “Expresso”, declarava frontalmente: “Tenho um dever de lealdade com a Casa de Bragança, dado que a minha família foi nobilitada por ela. Contudo, se algum dia se lembrarem de fazer o referendo, esse dever não vai ao ponto de votar a favor da monarquia.”
Mas também tributo. Porque Fernando foi, como titulava o “Público”, “um mecenas da cultura”. A faceta mais visível dessa sua combinação de generosidade e erudição ficou patente na criação da Fundação do Palácio Fronteira e na forma como esta serviu a sociedade (através de visitas guiadas abertas ao público em geral, mas sobretudo de uma programação cultural variada e de qualidade, incluindo encontros e colóquios, sessões de leitura e poesia, peças de teatro e concertos musicais, para além de espetáculos diversos).
Em suma, e citando o que sobre ele escreveu a jornalista Ana Soromenho: “um homem que teve o prazer da partilha e do conhecimento e a inteligência de viver no seu tempo”.
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