quarta-feira, 12 de novembro de 2014

KOHL AINDA MEXE

(Jean Plantu, 1989, http://lemonde.fr)

Helmut Kohl foi um protagonista central na construção da Europa em que vivemos, pese embora o facto de as circunstâncias o terem levado a ocupar-se preferencialmente com a oportunidade histórica proporcionada pela queda do muro de Berlim – já 25 anos! – em termos de uma reunificação da Alemanha, tendo-a aliás gerido magistralmente e dentro de uma lógica em que procurou sobretudo minimizar outras restrições, necessariamente secundárias em face do objetivo tornado estratégico, como as da preservação do projeto de unidade europeia.


Pois aos 84 anos e fortemente debilitado pelo acidente vascular cerebral que sofreu, Kohl tem estado na berlinda. Esteve esta semana em Bruxelas a apresentar um livro de reflexões sobre a Europa, numa sessão que contou com a presença ativa de Juncker. Do livro resulta uma tese curiosa segundo a qual “as causas da crise e da presente ressaca europeia não assentam nas tão mencionadas ‘fraquezas da construção’”, salientando em sentido contrário que “o que faltou foi fidelidade em relação aos tratados e acordos existentes, uma falta de responsabilidade e sinceridade assim como uma escassez de empatia e compreensão”. Denunciando explicitamente aquilo que designou por half-hearted approach da Alemanha à Europa desde 1998, o “chanceler da unidade” foi ainda mais longe ao acusar o seu sucessor (o social-democrata Gerhard Schröder) de principal culpado da crise do Euro, designadamente por lhe ter aberto a porta com duas decisões “vergonhosas” (chega mesmo a falar de “traição”) que estiveram na origem dos infelizes desenvolvimentos verificados: a aceitação da entrada prematura da Grécia na Zona Euro – referindo que a situação concreta da época “não podia ter sido escondida de alguém que a olhasse de perto” – e a conspiração de há uma década entre Berlim e Paris no sentido de conseguirem diluir a aplicação dos critérios do Pacto de Estabilidade e Crescimento vindos do Tratado de Maastricht – referindo que a alteração do cálculo dos défices orçamentais dos dois países, sob o pretexto de irem implementar reformas estruturais em período de desaceleração económica, foi “um convite a outros países para acumularem níveis insustentáveis de dívida”. Tudo visto e ponderado, não está mal pensado de todo, não obstante o facto de branquear a questão igualmente decisiva da arquitetura institucional do Euro.


Mas é só por causa deste seu livrinho que Kohl está definitivamente no centro das atenções. Com efeito, já no mês passado fora alvo de polémica devido à publicação de um livro (“Testamento: os autos de Kohl”) sobre ele com a assinatura de um antigo jornalista (Heribert Schwan) a quem dispensara seiscentas horas de entrevistas intimistas gravadas entre 2001 e 2002 com vista a uma futura biografia. Apesar de a obra ser “não autorizada”, ao que se diz devido às fortes pressões nesse sentido exercidas pela sua atual e segunda mulher e que já conduziram a um litígio judicial, o certo é que ela assenta largamente em declarações explosivas efetivamente produzidas por Kohl num quadro de grande franqueza e num contexto ainda marcado pela derrota eleitoral de 1998 e pelos incidentes que lhe ficaram associados (em especial, o escândalo das caixas negras da CDU e a sua substituição na liderança do partido por Angela Merkel).


O “Der Spiegel”, que revelou há semanas o essencial do conteúdo do livro, definiu-o como um “grande ajuste de contas” e sintetizou-o assim: “São apreciações fortes, por vezes ofensivas, de Kohl sobre alguns dos seus antigos companheiros de percurso relativamente aos quais não podia adivinhar que iriam fazer uma grande carreira”. Neste quadro, e ainda que numa linha de pequena política, são especialmente curiosas as referências política e intelectualmente desqualificantes que lhe são atribuídas sobre Merkel, até há pouco tida por sua protegida na passagem interna de testemunho. É assim que a atual chanceler ora “não tem qualquer ideia” ora “não sabia mesmo usar corretamente faca e garfo”, e a ponto de Kohl “ter sido várias vezes obrigado a chamá-la à ordem no decurso de refeições oficiais”. Convenhamos que a imagem, só por si, não deixa de ter a sua graça...

Sem comentários:

Enviar um comentário