Ainda há dias, com uma reflexão em torno do surto
de Legionella, anotei aqui a profunda dualidade que atravessa hoje a sociedade
portuguesa e a sua projeção político-administrativa da administração pública,
sendo esta capaz do melhor e do pior, numa espécie de balanceamento esquizofrénico
entre o que poderíamos ser e o que somos efetivamente.
Ora, depois da incontinente verbal e atormentada
Paula Teixeira da Cruz ter sido barrada pela super-rápida investigação da
Procuradoria-Geral da República na sua suspeição de que o estado de sítio do
CITIUS poderia representar a primeira forma de terrorismo interno de Estado
(suspeição de boicote premeditado), eis que o aparato da corrupção em torno dos
vistos GOLD vem demonstrar pela primeira vez a subida das evidências de corrupção
até ao nível dos mais altos cargos da hierarquia do Estado. Ainda por cima aparece
aqui no meio disto tudo o estupor de um António Figueiredo (pelos vistos com
grandes amizades) que vem manchar este meu pobre nome, embora creio sem
qualquer ligação com o pobre ramo Figueiredo deste vosso blogger.
Do ponto de vista jurídico, o caso irá certamente
assumir na sua tramitação uma série de cambiantes por agora não antecipáveis. Como
o híper fluente Rogério Alves dizia ontem, tudo dependerá da qualidade e
consistência da investigação judicial que desencadeou o processo e, como
sabemos, nem todas as mais mediáticas investigações judiciais cumpriram esses
critérios.
Do ponto de vista dos meus interesses de reflexão
e deste próprio blogue, há sobretudo dois temas que merecem atenção particular.
O primeiro diz respeito ao tipo de empresas que,
de acordo com as notícias públicas e com a investigação de alguns órgãos de
comunicação social, o Expresso à cabeça, circula sempre em torno de tramoias desta
natureza. Parece tudo boa gente, a coberto de mediatismo, mas sempre em
companhia (sob a forma de sócios ou participações de capital) de outras
personagens, essas sim com expressão, visibilidade e representatividade política.
E até provavelmente na maioria dos casos, e o caso do ministro Miguel Macedo
parece ser uma dessas situações, essas personagens políticas ou se afastaram
desse concubinato societário ou têm nada que ver com o chico espertismo ou
aproveitamento malévolo realizado por tais personalidades. É claro que
ministros e outras personalidades políticas não estão condenados ao jejum profissional
ou à reclusão conventual para poderem ser ministros ou depois de o serem. O pós-ministro
é mais regulável e uns anos de nojo até poderem exercer outro tipo de
atividades constitui uma solução desejável, mesmo que para isso possa haver
libertação de fundos públicos. Mas o antes de ser ministro é mais difícil de
regular e aí exige-se transparência de elementos para um escrutínio mais amplo.
Ora, neste caso, pelos elementos até agora conhecidos, as empresas
identificadas mantinham com a situação objeto de corrupção um posicionamento de
grande proximidade, logo com grande probabilidade de informação viciada e de
claríssima perceção do valor económico de uma dada decisão. O que parece
ressaltar de tudo isto é que os senhores ministros devem escrutinar
rigorosamente os seus amigos e eventuais parceiros se não quiserem ser
incomodados. No entanto, apesar da sua eventual inocência, os ministros visados
não podem furtar-se a uma avaliação política do enredo em que se deixaram
envolveram ou em que foram envolvidos.
A segunda questão diz respeito à razoabilidade do
próprio instrumento Visto GOLD. Partilho também a ideia de António Lobo Xavier
de que o país não pode transformar-se numa espécie de virgem imaculada quando o
mundo com quem compete está transformado num bordel gigantesco. Mas o problema
não me parece ser esse. Também sei que o país está na penúria de capital e que
por isso está potencialmente nas mãos e boas graças de quem tem guito. Por
isso, estamos cheios de imperatrizes e imperadores que vêm de fora, pois a
realeza do capital financeiro interno está tão ou mais arruinada do que a
realeza propriamente dita. Mas a haver vistos GOLD, será de dar de barato,
criando condições para que isso aconteça, que o seu impacto se destina a reabilitar
o alquebrado imobiliário português, desencalhando habitação de luxo? Será que o
governo está de má consciência por ter destruído para além do aceitável e
necessário a construção civil interna, tentando por esta via sacudir a água do
capote e entreter os operadores com esta oportunidade conjuntural? O país
necessita isso sim de investimento produtivo transacionável e, pelo menos,
seria necessário reorientar estímulos fiscais e os próprios vistos para
assegurar esse objetivo. A questão de saber se os vistos GOLD estarão a
contornar as regras europeias a que Portugal e sobretudo a sua banca estão
obrigados em matéria de branqueamento de capitais exigirá outra investigação,
bem mais ampla do que a questão dos vistos GOLD. Se também nesse domínio estará
alguém a pisar o risco todos gostaríamos de saber, embora alguma surpresa nessa
matéria tivesse efeitos sistémicos europeus bem mais ampliados.
Como escreveu o meu colega de blogue, o que mais
estará para a acontecer a este pedaço de território?
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