segunda-feira, 17 de novembro de 2014

TERTULIANDO SE DIZEM MUITAS VERDADES


Este ano, a Tertúlia da Católica foi em novembro e não em julho, como tem sido habitual. E ainda bem, digo eu, porque este Verão de 2014 foi farto em acontecimentos tórridos a um ponto tal que dificilmente poderiam as cabeças dos participantes encontrar um espaço suficientemente adequado para a circulação de conhecimentos, ideias e experiências que o José Fernando Pinto dos Santos (JFPS) e o José Manuel Félix Ribeiro (JMFR) obrigatoriamente requerem.

O tema/pretexto foi desta vez “a qualidade de gestão”. Que, como começou por explicar o JFPS, tem necessariamente menos a ver com os resultados da empresa do que com a sua aprendizagem coletiva em função de dois fatores críticos (cooperação e iniciativa). Passando de seguida a explorar três grandes “teses”: (i) a qualidade de gestão é o derradeiro fator de desempenho de uma empresa... e de um país; (ii) a baixa qualidade de gestão em Portugal é a causa principal do nosso atraso e pobreza; (iii) a qualidade de gestão em Portugal é, antes de mais, um problema cultural.

Em termos de medida e comparação internacional, o gráfico abaixo serviu de ponto de partida e é claramente elucidativo do posicionamento relativo de Portugal num ranking de avaliação sintética das práticas de gestão de 21 países. Ou seja, e como referiu JFPS, estaremos seguramente mais preparados para ser um povo estruturalmente feliz do que para funcionarmos como bons dirigentes empresariais. 


Mas muito mais ficou dito e demonstrado. Como o nosso otimismo em termos de autoavaliação (gráfico abaixo), só ultrapassado por brasileiros, gregos e indianos. Ou a aproximação dos atributos que nos caraterizam às dos japoneses com duas exceções: o policronismo que nos leva a lidar mal com o tempo (indisciplina e atraso) e um idêntico mas muito mais extremado particularismo que nos leva ao tipicamente português “cada caso é um caso”. Ou a nossa cultura de profunda aversão à incerteza, sendo que gestão é precisamente a capacidade de lidar com a incerteza em nome dos outros. Ou a gestão como contracultura (promoção de um desempenho coletivo superior ao natural, criando como que um meio artificial dentro da empresa). Ou, finalmente, a necessidade de ensinar política e de utilizar a política na discussão coletiva em torno do futuro.


Quanto ao JMFR, entrou devagarinho com vários indicadores retirados de um estudo do Banco de Portugal sobre o financiamento do setor empresarial não financeiro hoje (ver gráficos e quadro exemplificativos abaixo) e algumas perplexidades em torno. Chegando ao caso português (baixa autonomia financeira, a menor das rentabilidades dos capitais próprios, o maior rácio de EBITDA sobre volume de negócios e o maior rácio de peso dos juros no EBITDA) como o de um capitalismo sem capital e a trabalhar a crédito.



Mas rapidamente desembocamos no problema de nascença do Euro e, mais rapidamente ainda, nas calamidades em curso (seja a nível da excentricidade europeia em relação ao modelo de capitalismo que triunfou na globalização, seja a nível dos caminhos do sistema bancário europeu, seja a nível de um comando alemão simultaneamente “medieval”, “inseguro” e “nacionalista”). Em suma, e ressalvando um Draghi que estará manifestamente enganado no “sítio”, a Europa de hoje estará em fim de ciclo e será, sobretudo, “um sítio pouco recomendável”.

Para voltarmos a Portugal nesse quadro. E ao incomensurável absurdo que a instância política tristemente nos revela em crescendo: uma elite incapaz de compreender o que verdadeiramente envolve o País, uma esquerda incapaz de ir além do discurso do Estado e do assistencialismo (a “grande misericórdia” a que se referiu Daniel Bessa na sua coluna do “Expresso”), uma maioria de direita cuja cartilha pseudoliberal é tornada compatível com um “alinhamento canino” em relação aos alemães, um barco completamente à deriva.

Terminando com alguns esboços de resposta tentativa – não se trata de sair do Euro ou da União Europeia, trata-se de negociar uma “profunda redução da dívida” mas associada a uma “profunda reforma interna”, trata-se também de evitar “federações de pobres” e de “encontrar ricos com quem falar” – e com a sugestão de que a pergunta “onde vamos parar?” – “para o matadouro, mas alegremente”? – possa constituir “um tema formidável para a próxima tertúlia”. Sempre gratos ao patrocínio organizativo do Alberto Castro, lá estaremos então...

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