“O Síndrome de Estocolmo foi assim designado em referência
ao famoso assalto do Kreditbanken em Norrmalmstorg, Estocolmo, em Agosto de
1973, que durou seis dias. Nesse assalto com sequestro as vítimas continuaram a
defender seus captores mesmo depois dos seis dias de prisão física terem
terminado e mostraram um comportamento reticente nos processos judiciais que se
seguiram. O termo foi usado pela primeira vez pelo criminólogo e psiquiatra
Nils Bejerot que ajudou a polícia durante o assalto e que se referiu ao
síndrome durante uma reportagem, tendo o termo vindo posteriormente a
enriquecer o léxico clínico.”
O sempre estimulante Mainly Macro de Simon Wren-Lewis (Universidade de Oxford) leva-me hoje a uma curiosa digressão pelos
domínios da psicanálise, mais ou menos freudiana. O Síndroma de Estocolmo ou síndroma
da vítima que preserva o seu ego com uma alguma forma de empatia ou simpatia para
com o carrasco ou agressor está referenciado na literatura como atingindo cerca
de 8% das vítimas, segundo a Wikipedia citando o FBI's Hostage Barricade Database System.
A pergunta inevitável é a de saber como se chega
ao síndroma de Estocolmo a partir de considerações macroeconómicas, foco do
Mainly Macro.
Como não poderia deixar de ser, a invocação de tão
invulgar síndroma prende-se com a necessidade de se construir um pensamento
macroeconómico rigoroso para combater a pérfida imposição que os alemães estão
a concretizar do seu modelo de abordagem à crise aos restantes países da zona
euro. Wren-Lewis é dos que pensa, talvez hoje ingenuamente, que o rigor das
ideias macroeconómicas é suficiente para influenciar a condução da política
macroeconómica, ignorando que a transmissão das ideias macroeconómicas (ou económicas
em geral) à prática política obedece a um conjunto bem mais vasto de fatores do
que a simples consistência, coerência e capacidade de interpretação das evidências
empíricas ou factos estilizados reveladas pelas teorias e modelos macroeconómicos.
O esforço de Wren-Lewis vai no sentido de tentar
desmontar os argumentos macro que têm sido invocados no debate político e das
ideias para criticar as posições alemãs e conseguir demover o Reichstag a prosseguir
outras orientações.
Os dois argumentos sobre os quais Wren-Lewis
emite juízo crítico são os seguintes: o primeiro utiliza o princípio de que a
Alemanha tem mais margem de manobra fiscal para praticar um expansionismo
fiscal; o segundo está focado na ideia de que a Alemanha deve praticar políticas
expansionistas para ajudar os seus parceiros de união económica e monetária.
Vejamos o conteúdo dos contra-argumentos
expressos pelo Mainly Macro.
No primeiro caso, Wren-Lewis chama a atenção para
o facto do argumento acabar por validar o tipo de política fiscal que está
neste momento a explicar os problemas de estagnação da zona euro. O Reino
Unido, que se tem negado ele próprio a uma política macroeconómica de menor
aperto, apresenta um défice estrutural acima dos valores que o indicador
apresenta nos restantes países europeus, o que evidencia que estará mais perto
da solução do que a onda restritiva europeia. Num ambiente de estagnação com
taxas de juro próximas dos valores nulos, só um pensamento pré-Keynes rejeitará
que a única solução é o estímulo fiscal suficientemente forte para tirar a
economia da armadilha das taxas de juro nulas. O que significa que não seria
apenas a Alemanha a dever praticar a política expansionista. Todos os motores o
deveriam fazer e o BCE deveria exercer o seu papel de acomodar esse esforço dos
que podem aspirar ao papel de motores da recuperação.
Quanto ao segundo argumento Wren-Lewis combate-o
sublinhando a fragilidade do mesmo em ser lido na opinião pública alemã como
uma deriva de mais um pesado ónus para os alemães em resgatarem os seus
parceiros e o pressuposto errado de que os alemães seriam forçados a abandonar
o rumo pretensamente certo da sua política macroeconómica para poder ajudar os
seus parceiros. Ora aqui é que a porca torce o rabo. A política económica atual
do governo alemão não é a mais adequada. A Alemanha vive hoje as consequências
de um crescimento nominal de salários inferior ao ritmo de crescimento da
produtividade registado entre 2000 e 2007 que, nas condições de uma união económica
e monetária, equivale a ganhar competitividade à custa dos seus parceiros de
União. E para mais tal política foi recessiva para a economia alemã. Os
parceiros da Alemanha foram conduzidos a crescimentos de preços superiores a 2%
para compensar a política alemã e respeitar a meta europeia dos 2% de aumento
de preços.
Wren-Lewis conclui que o problema da Alemanha não
é recusar uma política expansionista no seu próprio território. O problema é
que numa União Económica e Monetária esse comportamento conduz os parceiros a
uma austeridade sem sentido e desajustada, ao mesmo tempo que bloqueia ou inibe
o BCE a tomar as medidas de acomodamento global desta situação. E aqui é que entra
a empatia das vítimas para com o carrasco, o tal Síndroma de Estocolmo. Os países
encurralados com esta posição alemã reagem à mesma segundo Wren-Lewis
confundindo a ausência de sentido com virtude. Tínhamos o síndroma do bom
aluno, protagonizado por Passos Coelho, reverente e obediente. Mas o síndroma é
mais complexo. As economias ignoram o mal profundo causado por uma conceção pré-keynesiana
do ataque à estagnação potencialmente deflacionária, confundindo-o com virtude
punitiva, numa empatia estranha e patológica para com o agressor.
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