(Financial Times)
Na terça-feira da semana que hoje termina, Martin
Wolf publicou no Financial Times uma crónica curiosamente intitulada de “A maldição da frágil procura global”. Pode
perguntar-se que acontecimento marcante teria impulsionado o experiente
cronista, autor de uma das consistentes abordagens da crise financeira de
2007-2008: The Shifts and the Shocks (2014)?
Certamente não por coincidência, no início dessa
mesma semana, a publicação dos dados macroeconómicos mais recentes sobre a
economia japonesa terá sido o fator determinante de perspetiva tão sombria
(amaldiçoada) da economia mundial. Mas que significado último poderemos
atribuir à queda anualizada de 1,6% no PIB japonês, calculada a partir do
comportamento da economia japonesa observado no terceiro trimestre do presente
ano? A entrada em recessão técnica da economia japonesa está muito para além da
simples entrada em recessão de uma das economias motoras a nível mundial,
sobretudo por duas razões:
- Primeiro, porque a economia japonesa tem sido alvo nos últimos tempos de um poderoso estímulo de quantitative easing que se materializa num significativo crescimento do balanço do banco central japonês e de uma relevante desvalorização do yen;
- Segundo e em estreita relação com o primeiro, o governo japonês dá mostras de se ter arrependido de um recente aumento do imposto sobre o consumo dos japoneses, cuja segunda dose face aos resultados desta semana terá sido diferida para melhores dias.
Assim, parece ficar claro por que razão a entrada
em recessão técnica da economia japonesa tem um significado transcendente. No contexto
de “zero lower bound” (de quase duas décadas
em que o Japão se encontra) e de riscos deflacionários (o Japão tem disso uma
longa experiência desde os anos 90), a experiência do Japão mostra que o estímulo
da economia por via da gestão da política monetária é insuficiente e que não
basta empolar o balanço do banco central para inverter o estado das coisas. Depois,
fica também claro que restringir precocemente a procura interna, neste caso com
um aumento de imposto sobre o consumo, é fatal, como o tem sido noutras experiências.
Gavyn Davies também no Financial Times escrevia que “uma
agressiva injeção monetária e uma forte desvalorização não foram suficientes até
agora para compensar os efeitos de um ainda que modesto aperto fiscal
“.
Tendo em conta que o BCE não tem a mesma margem
de manobra do banco central do Japão em matéria de dimensionamento do quantitative easing a promover, que a
questão demográfica europeia não está longe da japonesa e que a crise de dívida
do setor privado existe também entre os europeus, os sinais que vêm do Japão não
são bom augúrio para a zona euro. É verdade que os europeus não são tão
viciados na poupança como os japoneses, vício que em trajetória deflacionária é
terrível porque difere permanentemente compras para o futuro. Mas mesmo nesse contexto
de sujeitos económicos com diferentes propensões ao consumo, a experiência do
Japão mostra que dificilmente a Europa escapará ao dilema sustentabilidade
fiscal ou recuperação sustentada. Por muito que custe à obsessão
alemã de gestão macroeconómica à custa dos seus parceiros.
Por ironia do destino, a Abeconomics
foi o prenúncio da Troubleconomics.
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