(Nicolas Vadot, http://www.levif.be)
Ainda não se sabe bem o quê, mas parece estar à bica qualquer coisa no quadro da longa negociação que tem vindo a ter lugar desde finais de janeiro entre o novo governo grego liderado por Tsipras e uma amálgama de gente representativa das instituições comunitárias, dos parceiros europeus, da ex-Troika, do FMI e dos credores internacionais. Talvez hoje possa ser um dia importante ou decisivo, para o bem ou para o mal, se os ministros das Finanças reunidos enquanto Eurogrupo estiverem no mood. Ver-se-á.
Aproveitando o tema, e porque já começava a desesperar perante tanto comentário pouco informado, obediente, derrotista, acusador ou irónico a tender para o cínico, volto aos gregos e às suas razões – razões dos gregos que também são as nossas, por muito que quem nos dirige (?) insista em cumprir regras para agradar aos seus verdadeiros chefes – mas desta vez na companhia de José Pacheco Pereira (JPP). O pretexto próximo decorre de ter assistido à última edição do programa que JPP apresenta na “SIC Notícias” aos domingos à noite (“Ponto Contraponto”), onde ele terminou com uma referência algo detalhada ao assunto em geral e ao ministro grego das Finanças em particular. Cumprimento o JPP por isso e reproduzo seguidamente o que por ele foi dito, para efeitos de polémica presente e memória futura.
“Hoje a Grécia por razões políticas que se compreendem, e por toda esta discussão europeia, está no centro de muitas atenções. E a verdade é que há muita desinformação, há muita desinformação. Os gregos queixam-se, e com alguma razão, de que há uma sistemática deturpação das suas posições e nalguns casos notícias que se destinam a dar ideia de que se trata de um bando de radicais – radicais são, alguns não todos – e um bando de radicais ignorantes sobre o que é uma economia moderna, sobre o que são as finanças modernas e aí nós tocamos num aspeto que é confundir diferenças de opiniões com ignorância ou com incapacidade técnica ou com incompetência. Mas a verdade é que alguns dos responsáveis, e talvez o principal responsável das finanças gregas – Varoufakis – que hoje é uma espécie de demónio arrogante que todas as vezes que aparece numa reunião europeia provoca enormes reações e do qual há uma reação psicológica muito forte... Mas Varoufakis sabe muito bem o que quer. É um professor, um académico, com um conhecimento e uma ideia sobre a crise. Recentemente, no início deste mês, fez uma longa intervenção na Alemanha explicando exatamente a sua interpretação do que estava a acontecer na Europa. Aí, independentemente da posição que cada um possa ter em relação aos gregos, à questão da dívida, ao modo como eles atuam a nível europeu, é interessante saber quais são as suas posições do ponto de vista original, ouvi-las diretamente pelos seus responsáveis. Nós não temos tempo, é uma intervenção longa, vale mesmo a pena vê-la, ela está na Internet, vamos apenas ouvir uma parte e ver como é que, apesar de tudo se estivermos atentos, os gregos sabem aquilo que querem dizer. Podem não conseguir fazer aquilo que corresponde à sua análise – isso é todo um outro problema, um problema estritamente político –, mas sabem o que querem e têm uma análise da crise europeia que não pode ser pura e simplesmente posta de lado. Vamos ouvir, pois, esse demónio que tem perturbado a Europa, Varoufakis, em primeira mão; vamos ver.”
E tendo dito isto, JPP passou à projeção de um excerto da tal intervenção de Varoufakis em Berlim. Desta reproduzo o essencial, a partir da legendagem. Sendo que o vídeo completo dessa sessão na fundação Hans-Boeckler (“Greece’s future in the EU”) está disponível em https://www.youtube.com/watch?v=ex20y_p3Qv8. Eis o que JPP selecionou:
“Então veio o desastre financeiro global de 2008. E um ou dois anos depois, os povos europeus que, conforme disse, tinham sido tão espetacularmente unidos até aqui, acabaram cada vez mais divididos por uma moeda comum. Um paradoxo que teria sido encantador se não estivesse tão carregado de perigo. Perigo para os nossos povos, perigo para o nosso futuro, perigo para a ideia de uma prosperidade europeia partilhada. A História parece ter uma queda para a farsa, a julgar pela forma como por vezes se repete. A Guerra Fria não começou aqui em Berlim, começou nas ruas de Atenas em dezembro de 1944. A crise do Euro também se iniciou em Atenas, em 2010, desencadeada pelos problemas da dívida grega. Numa reviravolta do destino, a Grécia foi o berço tanto da Guerra Fria como da crise do Euro. Mas, claro, as causas de ambas vão muito para além das ruas de Atenas e abrangem todo o Continente. Quais foram as causas da crise do Euro? Os meios de informação, e os políticos devo acrescentar, adoram histórias simples. À semelhança de Hollywood, adoram contos moralistas, protagonizados por vilões e vítimas. A fábula de Esopo, da cigarra e da formiga, revelou-se um êxito instantâneo. De 2010 em diante, a história é mais ou menos esta: as cigarras gregas não fizeram o seu trabalho de casa e um dia o seu Verão sustentado pela dívida terminou abruptamente. Depois chamaram as formigas para as resgatarem. E agora diz-se ao povo alemão que as cigarras gregas não querem pagar a dívida, querem mais um período de boa vida, mais diversão ao sol e outro resgate para o poderem financiar. É uma história poderosa, eu compreendo isso. Uma história alicerçada numa posição firme que muitos defendem contra os gregos, contra o nosso governo. O problema é que é uma história enganadora, minhas senhoras e meus senhores, uma história que lança uma vasta sombra sobre a verdade, uma alegoria que vira uma nação orgulhosa contra outra, com vencidos em todo o lado, exceto talvez os inimigos da Europa e da democracia que se estão a divertir à brava. Deixem-me começar com um truísmo: a dívida de uma pessoa é um ativo de outra pessoa. Da mesma forma, o défice de uma nação é o excedente de outra. Quando uma nação ou região é mais industrializada do que outra, quando produz a maior parte dos bens comercializáveis de alto valor acrescentado, enquanto a outra nação se concentra em bens de baixo rendimento, baixo valor acrescentado e não comercializáveis, gera-se uma assimetria, uma assimetria que se auto-perpetua. Não pensemos somente na Grécia em relação à Alemanha, pensemos também na Alemanha Oriental em relação à Alemanha Ocidental, no Missouri em relação ao estado vizinho do Texas, no norte de Inglaterra à grande economia londrina. São todos casos de desequilíbrios comerciais de uma perseverança impressionante. Se tivermos uma taxa de câmbio de circulação livre entre as nações ou regiões com excedente e as com défice, como têm o Japão e o Brasil por exemplo, essas taxas de câmbio de circulação livre ajudam a manter os desequilíbrios controlados, à custa da volatilidade. Mas quando fixamos as taxas de câmbio para conferir mais segurança aos negócios – ou, de forma ainda mais poderosa, quando adotamos uma moeda comum –, acontece algo mais: os bancos começam a ampliar os excedentes e os défices, inflacionam esses desequilíbrios e tornam-nos mais perigosos, automaticamente, sem perguntar aos eleitores ou ao Parlamento alemão ou ao Parlamento grego, sem sequer o governo da região se aperceber. É aquilo a que me refiro como divida tóxica e reciclagem de excedentes.”
Corte no filme e JPP está de novo no ecrã para concluir com toda a pertinência: “Eu percebo porque é que Varoufakis provoca uma grande reação. Isto é um discurso complexo, cheio de referências – há ali uma referência sem citação a Marx, à história que se repete como farsa; há uma referência ao início da guerra civil grega, de facto o momento em que começa a Guerra Fria; há a fábula da cigarra e da formiga, referida a Esopo –, portanto nós estamos perante um homem cujo discurso é um discurso elaborado e consistente. Podemos concordar e podemos discordar, mas vale a pena ouvir este discurso na sua integralidade para tentar perceber melhor como é que a análise que os gregos fazem da situação tem consistência, deve ser discutida e debatida enquanto tal e não apenas como anátemas – ser a favor ou contra o Syriza, ser a favor das cigarras ou das formigas e por aí adiante –, o que é uma maneira evidentemente de não perceber o que se está a passar.”
Se vir o vídeo integral, verificará que Varoufakis termina perguntando: who should deliver the speech of hope? [para a Grécia e também para a Zona Euro]. E respondendo: well, I think it should be the German chancellor, sublinhando aquela que seria a oportunidade de um new approach to European integration. Mas que maçada! Não era, afinal, tão mais fácil acusar a preguiça, a batota e os privilégios do povo grego, denunciar a casa, a mulher ou a mota de Varoufakis ou apontar o dedo à desrespeitosa falta de gravatas, à alegada má criação e ao inaceitável radicalismo dos responsáveis gregos?
(Ilias Makris, http://www.kathimerini.gr)
Sem comentários:
Enviar um comentário