(Sobre a
relevância da cultura como fator de resistência e de transformação)
Nos tempos mais recentes, a literatura do desenvolvimento económico, com
relevo para a obra de Dani Rodrik (ver sobretudo One
Economics, Many Recipes: Globalization, Institutions, and Economic Growth.
Princeton University Press, Princeton, NJ, 2008 e The
Globalization Paradox: Democracy and the Future of the World Economy,
W.W. Norton, New York e London, 2011), mostrou-nos que os modelos mais interessantes
de transição económica e social têm ocorrido em regimes pouco canónicos. China
e Vietname são modelos muito estudados, porque se trata de economias que se
estiveram positivamente a borrifar para os ditames do hoje agónico senão
inexistente Consenso de Washington, desenvolvendo soluções nada canónicas e
decididamente não padronizadas de combinação de economia de mercado com regimes
políticos não enquadráveis na classificação de regimes democráticos. E se, como
sublinhei em post redigido em torno do conceito de Charter
Cities de Paul Romer, a China
ainda pode invocar a estratégia das grandes cidades de raiz como Shenzen para
explicar as transformações operadas e os efeitos de demonstração positivos por
elas gerados, o Vietname não teria dimensão para tal. A não canonicidade das
transições para a economia de mercado é um assunto fascinante e nesse quadro a
abertura e desanuviamento das relações políticas e diplomáticas entre os EUA e
Cuba prometem desenvolvimentos relevantes.
Um dos aspetos marcantes de todos estes processos de transição pouco
canónicos é a presença da cultura simultaneamente como fator de resistência e de
transformação dessas sociedades, sobretudo na perspetiva do confronto entre o
antes (com predomínio do fator resistência) e o depois (em que a dimensão da
transformação e da aceleração dos processos de transição adquire um relevante
significado.
Quem não se recorda da maravilha que a câmara de Wim Wenders e a música de
Ray Cooder nos trouxeram com o filme e o disco do Buena Vista Social Clube e
sobretudo daquelas imagens espantosas do mais puro fascínio revelado pelos
músicos cubanos pela silhueta de Nova Iorque, na antecâmara do seu espetáculo
no Carnegie Hall de todos os mitos?
Nos últimos dias temos tido ecos e acedido a imagens do que tenderá a ser
nos próximos tempos uma verdadeira migração de gente da cultura em direção a
Cuba e a Havana em particular. Tivemos, assim, bem há pouco tempo a presença da
fotógrafa Annie Leibovitz (companheira da desaparecida e saudosa Susan Sontag)
e de Rhianna para uma reportagem fotográfica no bairro operário del Cerro para
a Vanity Fair (ver aqui). E estamos em plena animação da Bienal de Arte em
Havana, da qual ficam algumas imagens (ver aqui e aqui, duas reportagens do El
País).
Tenho um grande fascínio por interrogar-me como irão evoluir relativamente
os aspetos culturais da resistência e da transformação ou, por outras palavras,
qual irá ser a transformação da cultura do Buena Vista com a abertura que a
sociedade cubana irá incontornavelmente experimentar. Até aqui esses
representantes da música popular cubana têm tido uma experiência de
internacionalização para e no exterior, sobretudo a partir da descoberta de
Wenders e Cooder. Agora teremos seguramente uma internacionalização inward e a
questão é como vão evoluir os ambientes locais que tornaram possível o espírito
do Buena Vista. Tudo isto fará parte da transição cubana.
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