(Ou a eterna
luta das teorias e modelos com as evidências)
Já aqui enunciei a ideia de que a desigualdade será provavelmente o tema do
século XXI, sobretudo do ponto de vista político e das movimentações sociais
para a contrariar. O tema de hoje projeta-se noutro plano e respeita aos
desafios que a desigualdade está a provocar para a teoria e análise económica.
O pretexto para a reflexão provem de uma gigantesca incursão de Joseph
STIGLITZ pelo tema, regressando praticamente 50 anos depois ao desafio de
explicar a distribuição do rendimento e da riqueza entre os indivíduos.
STIGLITZ acaba de publicar nessa onda quatro papers nos Working Papers do
National Bureau of Economic Research (NBER). O tema geral é “Theoretical Perspectives on the Distribution of Income and
Wealth among Individuals” e desenvolve-o em quatro partes: Parte I – O resíduo da riqueza que se
prende sobretudo com o enigma de que a acumulação de poupança ao longo do tempo
não nos consegue dar uma medida rigorosa da evolução da riqueza; parte II – Distribuições de riqueza de equilíbrio;
parte III – Ciclos de Vida de poupança versus poupanças
herdadas; parte IV – Terra e
crédito. Pelo simples enunciado do projeto, podemos intuir que estamos
praticamente perante uma teoria geral da distribuição do rendimento e da
riqueza, a qual tenderá nos próximos tempos a contracenar com a popular obra de
Piketty, que tanta repercussão tem tido na academia e na política.
Agrada-me sobretudo na perspetiva de Stiglitz, que combina obras para o
grande público, como The Great Divide
(Allen Lane/Penguin Books) que acaba de ser publicada, com investigação científica
reconhecida, a sua sistemática procura de explicação dos factos estilizados que
marcam num dado tempo histórico um tema económico qualquer. Factos estilizados
são, como um qualquer economista iniciado sabe, regularidades estatísticas
observáveis em torno das quais as evidências recolhidas e sistematizadas
oscilam.
A investigação de STIGLITZ parte de cinco novos factos estilizados observáveis
sobretudo a partir dos anos 80 na grande generalidade das economias avançadas
de mercado, obviamente com diferenças de país para país, mas com um
comportamento representativo dominante:
- Desigualdade crescente nos salários e nos rendimentos do capital (riqueza) e desigualdade crescente a nível global;
- Distribuição mais desigual da riqueza do que dos salários;
- Estagnação dos salários médios mesmo com aumentos de produtividade, com reflexos no aumento da fração do capital no rendimento;
- Aumentos consideráveis no rácio “Riqueza/rendimento”;
- A taxa de retorno do capital não tem descido mesmo perante o aumento do rácio “riqueza/rendimento”.
Toda a formação económica era, até há bem pouco tempo e em termos de
crescimento económico, baseada num conjunto de factos estilizados que estão
hoje profundamente ultrapassados pelas novas regularidades das quais a
investigação de STIGLITZ parte. Assim, por exemplo, considerava-se que o
crescimento continuado da produtividade (Produto /trabalho) se observava em
simultâneo com a constância da relação “Capital/produto” e das proporções de
salários e lucros no rendimento.
Quer isto significar que uma economia que dialogue construtivamente com as
evidências não pode deixar de se reinventar para proporcionar novas explicações
das regularidades que se impõem num dado tempo histórico. Ora, o painel de
quatro artigos de STIGLITZ é pioneiro nessa preocupação e daí que mereça em momentos
posteriores novos aparecimentos neste blogue.
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