No meio de toda a brutal e inqualificável barafunda que nos envolve, passei com o maior agrado umas horas da tarde de hoje a assistir a uma cerimónia lindíssima que, cumprindo os termos da lei que obriga os professores universitários à jubilação aos 70 anos, serviu essencialmente de homenagem a uma figura da maior relevância na sociedade portuguesa e portuense do nosso tempo. Falo de Pedro Guedes de Oliveira (PGO) e da sua última lição no auditório da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), antecedida por um conjunto de intervenções curtas sobre a pessoa, o profissional, o académico e o cidadão na expressão de alguns amigos ou colegas mais próximos e terminada em beleza com a magistral execução de três peças ao piano por Pedro Burmester.
Considero-me amigo do Pedro, embora não um daqueles do peito e das partilhas mais íntimas. E tenho por ele uma admiração quase referencial, que ele provavelmente desconhecerá (explico-me mais abaixo) e que só podia sair reforçada depois de escutar o que sobre ele foi tão sentidamente dito por tantas personalidades (designadamente pelas que ocupavam o palco, o reitor Sebastião Feyo de Azevedo, o diretor da FEUP João Falcão e Cunha, o diretor do Departamento de Engenharia Eletrotécnica e de Computadores Adriano Carvalho, o presidente do Conselho de Representantes da FEUP José Alfredo Silva Matos e o diretor do INESC-TEC José Manuel Mendonça) e por todos aqueles seus ex-alunos em que visivelmente deixou uma marca inspiradora do maior alcance. Cinquenta anos de trabalho descritos de forma muito variada mas largamente convergente. Dedicação e trabalho, persistência e teimosia, paixão, disse um. Intenso, criador e dotado de grande sentido de serviço público, replicou outro. Excelência e desapego ao poder, acrescentou alguém. Sentido de humor e acutilância, às vezes algo impiedoso juntou mais outro. Ética, lealdade, valores humanistas e democráticos adicionou ainda mais alguém. E assim sucessivamente, sem esquecer a sua total ausência de receio em fazer inimigos (“não vivo bem sem as minhas guerras”, na formulação do próprio) e, sobretudo, o “obrigado” dos alunos que invariavelmente o iam classificando como o melhor professor de sempre, brilhante e polarizador, tudo a ponto de levar o Pedro a confessar-se sob palavra de honra “subjugado” e não se reconhecendo em tantos atributos.
Na verdade, o Pedro alcançou na vida tudo o que de essencial um homem pode desejar – uma família originária grande e de vistas largas, uma família constituída feliz e realizada (destaco aqui a filha Francisca, que conheci enquanto aluna na FEP e é hoje doutora em Economia exercendo na Católica do Porto), uma carreira pluridisciplinar de sucesso e unanimemente reconhecida (com passagens inapagáveis pela Junta de Energia Nuclear, pelo Departamento de Eletrónica da Universidade de Aveiro, pelo INESC-Porto e pela sua Faculdade de Engenharia, entre outras), uma presença cívica permanente e sempre mais assente no serviço e na discrição do que em qualquer tipo de protagonismo...
Explico então aquilo que o Pedro não saberá ou de que apenas suspeitará: é que ele foi um daqueles poucos colegas de Universidade – talvez mesmo o mais consensual de todos – que, uns anos mais velho, se constituiu num exemplo a seguir para vários de nós que, na geração imediatamente mais jovem, tentávamos encontrar role models para o nosso próprio percurso académico e para a consolidação institucional e científica da nossa mais atrasada área de conhecimento. E, desde então, não mais cessei de encontrar o Pedro por todo o lado em que havia valores a afirmar e causas a defender – ele que, certamente, marcou ainda presença em outras tantas a que não pude ou soube chegar.
Deixo para o fim a lição do Pedro. E dela sublinho três tópicos: a evocação das suas referências (a jubilação de Sarmento Beires há cinquenta anos e os marcos, um físico e um médico, Sousa Lopes e Lopes da Silva), a identificação de alguns dos “invariantes” que mais o preocupam na Ciência e no Ensino Superior do País (com notas tão interessantes como a importância das ciências fundamentais, a crescente qualificação de docentes, discentes e funcionários, a defesa de um aumento radical da exigência, a interação como forma de aprendizagem privilegiada, a preocupante diminuição das candidaturas a Engenharia, a tragédia da emigração dos jovens, os dramáticos e estúpidos estrangulamento económico da Ciência e do Ensino Superior e condicionamento da Universidade em relação aos seus resultados de curto prazo, o apelo a um não fechamento às áreas menos utilitaristas das ciências sociais e humanas ou das artes) e a homenagem final que quis dedicar a Mariano Gago – honrar o seu legado centrado em cultivar o conhecimento e a cultura para que “o que nos está a acontecer agora seja apenas um hiato breve”, concluiu.
E não vais ter parança, caro Pedro, porque ficou claro que todos continuamos obviamente a contar contigo por muitos e bons...
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