segunda-feira, 8 de junho de 2015

COSTA SOBRE O PROGRAMA



(O homem parece seguro mas não arrogante)

Foi um António Costa globalmente seguro e não arrogante que esteve hoje perante o Fórum da TSF respondendo simultaneamente a ouvintes e jornalistas. Dir-se-á que António Costa tem amadurecido os meandros da evolução por etapas do programa de governo que propõe aos portugueses, adquirindo progressivamente mais presa sobre as questões mais críticas da governação. O PS parece gozar neste momento de alguma superioridade no cotejo de ideias para eleitor consumir até ao início de outubro, por dois motivos essenciais: primeiro, o número comunicacional da maioria em torno das linhas programáticas e garantias a oferecer aos cidadãos (cheias de se aquilo ou outra coisa qualquer) ficou uns furos abaixo do que tinha sido pensado pela maioria e a transferência de Jorge Jesus abafou qualquer impacto que pudesse ser assacado a tão estranha cerimónia, ainda sem discussão no interior das forças partidárias da maioria; segundo, o documento do PS sobre a segurança social que completou a versão aprovada do programa eleitoral colocou a maioria na defensiva, pois veio acompanhado de um modelo de medição de impactos e a maioria parece ter descurado essa jogada.

As eleições ganham-se com defesas intransigentes de posições firmes e ao contrário do que esperava Costa optou politicamente e está no seu direito por manter a ideia de descida da TSU a cargo dos trabalhadores com menos de 60 anos, incluindo os independentes, segundo o modelo do autoempréstimo intertemporal, reduzindo pensões de amanhã a troco de uma descida hoje, isto é, nos anos iniciais das contribuições a cargo dos trabalhadores.

Aprecio nos políticos a capacidade de assumir riscos e de defesa intransigente das ideias em que acreditam, mas continuo a não perceber o racional da medida, que me parece ser enquadrada por uma vontade última de estimular a criação de emprego, neste caso através de uma injeção de consumo privado na economia. Há alguns críticos da medida que referem que haveria outras medidas suscetíveis de injetar rendimento e procura na economia sem abrir o risco de sustentabilidade do sistema de segurança social, como por exemplo manejar o IRS, mas dirão os economistas do PS que não são medidas orçamentalmente neutras como eles defendem que a descida da TSU dos trabalhadores é.
As minhas dúvidas, senão mesmo objeções à medida, relacionam-se antes com o facto da criação de emprego ser equacionada praticamente à margem da mudança estrutural necessária de que a economia portuguesa necessita para não entrar de novo num ciclo de movimentos “go and stop”, isto é, não acautelando a necessária redução de financiamento externo ditada pelo comportamento da balança corrente. A economia portuguesa necessita obviamente a curto prazo de um choque virtuoso de procura, e não devemos enjeitar o contributo da procura interna a estimular por medidas que o programa documenta para o conseguir. Mas a criação de emprego, que pode encontrar nesse choque de procura o estímulo virtuoso para entrar numa dinâmica positiva, recompondo por outro lado as receitas da segurança social, não pode deixar de ser equacionada no quadro das mudanças estruturais (não confundir com a cantilena das reformas estruturais que até o Banco de Portugal tristemente invoca) do perfil de exportações e importações da economia portuguesa. Sem uma reestruturação parcial da dívida, a economia portuguesa vai necessitar de excedentes permanentes da balança corrente para minimizar as necessidades normais de financiamento externo. Ora, sem uma profunda mudança do nosso perfil de especialização essa criação de excedentes externos será sempre vulnerável.

Como é conhecido, os países não necessitam de excedentes permanentes das suas contas externas. Aliás, o equilíbrio económico mundial exige que os países alternem períodos excedentários e deficitários, e não como parece ser o pensamento alemão de manter a sua balança corrente permanentemente excedentária. Mas uma economia acossada por um serviço de dívida cujo pagamento vem essencialmente da sua capacidade de exportação de bens e serviços não se pode dar ao luxo de abrir flanco com necessidades avultadas de financiamento externo.

Gostaria, assim, que o programa do PS colocasse a necessária e desejável criação de emprego nesse quadro de mudança estrutural do perfil de especialização e não apenas num escoamento de exportações para mercados pouco exigentes em termos de mudança desse perfil de especialização. Um choque de procura interna, por mais importante que ele seja na transição para períodos mais virtuosos de criação de emprego, não resolve sustentadamente o problema.

E gostaria também que não fosse ignorado o facto da economia portuguesa poder evoluir nos próximos dois ou três anos para uma taxa de desemprego que se aproxime bastante da taxa de desemprego estrutural, incompressível por choques de procura por mais virtuosos que eles se apresentem. Mesmo ressalvando que os atuais 13% e picos são influenciados por medidas de formação profissional ou de programas de estágios (cujos efeitos na empregabilidade não são despiciendos), a taxa de desemprego estrutural situar-se-á muito provavelmente entre os 10% e os 11% da população ativa e, por conseguinte, não deve ser ignorada a hipótese do estímulo da procura interna não ser suficiente para combater essa dimensão estrutural do desemprego, seja ela determinada por insuficiência ou desequilíbrios de qualificações.

O que eu quero dizer com isto é que o programa económico do PS parece-me mais um programa de transição do que propriamente um programa focado na sustentação do crescimento económico na economia global. O facto de ser um programa de transição não lhe retira o mérito, pois a transição nos processos de crescimento é crucial, sobretudo no contexto de partida da economia portuguesa. Mas é preciso mais para assegurar uma trajetória virtuosa e sustentada de criação líquida de emprego.

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