(Sobre as
dificuldades de medida de uma evidência social)
Por motivos relacionados com a pesquisa em curso para o projeto da
Organização Internacional do Trabalho sobre classes médias e a sua erosão nas
sociedades europeias (seguindo não nos mesmos termos o debate central que a nível
económico e político se vai travando nos EUA), o tema classes médias e
desigualdade tem-me martelado a cabeça e dominado praticamente todas as minhas
leituras e incursões empíricas dos últimos tempos.
Dizia um dia destes aos meus colegas de pesquisa que um desafio do nosso
trabalho era testar se temos evidências empíricas robustas para, do ponto de
vista económico e social e com os indicadores de mercado de trabalho e de
condições de rendimento das famílias, testar a tese politicamente enunciada por
José Pacheco Pereira de que as classes médias em Portugal foram dizimadas. E não
é fácil atingir esse desiderato no contexto de uma sociedade como a portuguesa
em que os rendimentos mediano e médio são comparativamente muito mais baixos do
que a esmagadora maioria das sociedades europeias, hoje talvez com a exceção da
Grécia.
O problema da métrica para definir a classe média em termos de grupos de
rendimento é complexo, já que a versão mais corrente é definir as classes médias
por um intervalo em que os limites inferior e superior são os rendimentos correspondentes
a determinadas percentagens do rendimento mediano (ou médio) da sociedade. No
caso vertente do nosso estudo, o limite inferior corresponde a 60% do
rendimento mediano e o superior corresponde, respetivamente numa versão mais
restrita e noutra mais lata de classe média, a 120% e 200% do rendimento
mediano. Do ponto de vista dinâmico, há que ter em conta que uma abordagem
deste tipo é sensível ao comportamento evolutivo do próprio rendimento mediano
que altera a posição relativa das famílias que imputávamos pertencerem à classe
média e que também não podem ser ignoradas as transições entre grupos que as
famílias podem registar para um dado período de análise.
De qualquer modo, uma abordagem desta natureza, estritamente baseada nas
posições relativas de grupos sociais face a um rendimento mediano, não só tem
de ser combinada com a evolução da massa e percentagem de população em situação
de pobreza absoluta, regra geral identificada com os grupos abaixo dos 60% do
rendimento mediano, mas também exige histórias de vida e sensibilidade à situação
de famílias concretas, apresentando-se estas com situações e tipologias cada
vez mais atípicas.
O El Mundo de hoje tem uma excelente peça sobre o desmoronamento das
classes médias espanholas, na qual os números relativos (neste caso em função do rendimento médio e não do rendimento mediano) são completados com
reportagens concretas de gente concreta que viu as suas vidas desabarem.
De leitura obrigatória e não será difícil, seja pelos valores de salário
envolvidos, seja pelas situações visadas, encontrarmos paralelos com a situação
portuguesa.
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