terça-feira, 2 de junho de 2015

CLASSES MÉDIAS




(Sobre as dificuldades de medida de uma evidência social)

Por motivos relacionados com a pesquisa em curso para o projeto da Organização Internacional do Trabalho sobre classes médias e a sua erosão nas sociedades europeias (seguindo não nos mesmos termos o debate central que a nível económico e político se vai travando nos EUA), o tema classes médias e desigualdade tem-me martelado a cabeça e dominado praticamente todas as minhas leituras e incursões empíricas dos últimos tempos.

Dizia um dia destes aos meus colegas de pesquisa que um desafio do nosso trabalho era testar se temos evidências empíricas robustas para, do ponto de vista económico e social e com os indicadores de mercado de trabalho e de condições de rendimento das famílias, testar a tese politicamente enunciada por José Pacheco Pereira de que as classes médias em Portugal foram dizimadas. E não é fácil atingir esse desiderato no contexto de uma sociedade como a portuguesa em que os rendimentos mediano e médio são comparativamente muito mais baixos do que a esmagadora maioria das sociedades europeias, hoje talvez com a exceção da Grécia.

O problema da métrica para definir a classe média em termos de grupos de rendimento é complexo, já que a versão mais corrente é definir as classes médias por um intervalo em que os limites inferior e superior são os rendimentos correspondentes a determinadas percentagens do rendimento mediano (ou médio) da sociedade. No caso vertente do nosso estudo, o limite inferior corresponde a 60% do rendimento mediano e o superior corresponde, respetivamente numa versão mais restrita e noutra mais lata de classe média, a 120% e 200% do rendimento mediano. Do ponto de vista dinâmico, há que ter em conta que uma abordagem deste tipo é sensível ao comportamento evolutivo do próprio rendimento mediano que altera a posição relativa das famílias que imputávamos pertencerem à classe média e que também não podem ser ignoradas as transições entre grupos que as famílias podem registar para um dado período de análise.

De qualquer modo, uma abordagem desta natureza, estritamente baseada nas posições relativas de grupos sociais face a um rendimento mediano, não só tem de ser combinada com a evolução da massa e percentagem de população em situação de pobreza absoluta, regra geral identificada com os grupos abaixo dos 60% do rendimento mediano, mas também exige histórias de vida e sensibilidade à situação de famílias concretas, apresentando-se estas com situações e tipologias cada vez mais atípicas.

O El Mundo de hoje tem uma excelente peça sobre o desmoronamento das classes médias espanholas, na qual os números relativos (neste caso em função do rendimento médio e não do rendimento mediano) são completados com reportagens concretas de gente concreta que viu as suas vidas desabarem.

De leitura obrigatória e não será difícil, seja pelos valores de salário envolvidos, seja pelas situações visadas, encontrarmos paralelos com a situação portuguesa.

Sem comentários:

Enviar um comentário