terça-feira, 9 de junho de 2015

MOREIRA OU OS CEGOS QUE NÃO QUEREM VER

(Padre Juan de Mariana, religioso, ensaísta e historiador)



(Um Hayekiano que ainda mexe)

O artigo de José Manuel Moreira no Económico de 4 de junho não engana ninguém. Começa com um toque de internacionalismo, uma viagem à Guatemala para discutir a obra de Juan Mariana, religioso, ensaísta e historiador espanhol (1536-1624), bastante apreciado entre os jesuítas e conhecido entre outras teses pela do tiranicídio, ou seja, a justificação moral da eliminação de um rei que aplique impostos sem consentimento dos súbditos ou pratique o confisco. Tudo previsível em quem fez a sua formação de doutoramento com os jesuítas e de quem vê oligarquias parasitárias do Estado em tudo que é despesa pública.

Ninguém questiona, pelo menos eu não questiono, que José Manuel Moreira possa ser um adversário figadal da intervenção pública e estar no seu direito de defender que a carga fiscal em Portugal é excessiva e que a sociedade portuguesa está sob uma fadiga fiscal, para gáudio e proveito de alguns e penosidade de outros. Está no seu direito desde que na sua argumentação utilize argumentos convincentes e evidências sólidas.

Nunca se conheceu a José Manuel Moreira qualquer inclinação ou sabedoria particular sobre as questões da macroeconomia e com o vento pretensamente de feição atira-se aos que defendem que a austeridade leva os países a uma maior depressão. E assina no artigo esta pretensa sentença silenciadora desses argumentos: “E nem mesmo o crescimento, contra todas as "certezas", de países como a Irlanda e o Reino Unido ou Portugal e Espanha - até a Grécia já crescia antes do Syriza - demove os keynesianos de todos os partidos das suas falácias. Argumentando que cortes nas pensões, nos gastos com a função pública e nas grandes obras públicas significam menos dinheiro na economia, levando, por isso, ao agudizar da crise. Como se a saída da crise não passasse pela busca de equilíbrio orçamental e redução da despesa pública. Ao invés de um crescimento económico assente em políticas de gastança incentivadas artificialmente por oligarquias que parasitam o Estado de mentira.”

A falsidade lógica do argumento brada aos céus de alguém que se pretende rigoroso. A técnica é conhecida: colocar nos argumentos dos adversários aquilo que eles não defendem para facilitar a desmontagem da argumentação. Onde está então a desonestidade intelectual do argumento? Ninguém duvida ou afirma que os países sujeitos a processos de austeridade não poderão crescer. Portanto, o que está em causa não é a possibilidade dos países selecionados por Moreira crescerem. O que está verdadeiramente em causa é, em primeiro lugar a existência de um zero lower bound em termos de taxas de juro que apontam para taxas de juro reais negativas e em grande parte a inefetividade da política monetária neste contexto. E nestas condições só a política fiscal, com todas as imperfeições que a pureza Hayekiana de Moreira possa descortinar, é efetiva.
Depois o que está em causa é a diferença entre o produto real (mesmo em crescimento) que é atingido no rescaldo das políticas de austeridade face ao produto potencial das mesmas que poderia ser atingido com um grau mais elevado de ocupação de recursos. E nesta perspetiva os efeitos da austeridade são de facto depressivos, mesmo que Hayek se revolva no túmulo. E a prova é que quando essa austeridade foi levantada, ou seja quando por exemplo os conservadores em trajetória eleitoral douraram os cortes de despesa, o gap face ao produto potencial previsível desceu obviamente.

Depois, Moreira roda o seu ímpeto acusatório para a “arrogância fatal” dos banqueiros centrais que “pensam como saber usar a política monetária para evitar os altos e baixos da economia real”. Não é arrogância. É pura impossibilidade em contexto de armadilha de liquidez, que Moreira certamente saberá o que é, embora se trate de conceito que provenha do inimigo figadal de Hayek, Keynes. E arvora-se em defensor das pequenas e grandes empresas, injustiçados pela banca mais interessada em financiamento da dívida pública. Aqui Moreira passa ao lado do problema da baixa procura de crédito ditada pelo clima estagnacionista que as políticas de austeridade provocaram para uma desproporcionada e demasiado rápida consolidação de contas públicas.

Se estiver efetivamente interessado em denunciar as diferentes formas de captura rentista do Estado, Moreira certamente não estará sozinho. Se alternativamente, para defender o pensamento do seu mestre, prosseguir na via da simples desonestidade intelectual, então será melhor formar a confraria dos economistas incompreendidos, com Arroja, César das Neves e outros candidatos, não sei se com um toque jesuíta, pois nesses assuntos não terá provavelmente unanimidade.

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