segunda-feira, 22 de junho de 2015

A SONDAGEM


(Mixed feelings a explicar)



Praticamente uma semana no exterior com um curto périplo pelos países Bálticos, até agora intrigantes para compreender este meu fascínio pelos processos de transição, mas hoje com alguma informação adicional e percecionada sobre o que os move no interior do projeto europeu, expresso os meus “mixed feelings” sobre a mais recente sondagem que coloca a atual maioria numa situação de grande resiliência face aos danos percecionados da sua governação. É um facto que a mesma sondagem refere que os inquiridos consideram ser mais provável a vitória do PS nas próximas eleições legislativas. Mas apesar disso tenho “mixed feelings” sobre a sondagem. Mas porquê?

Com um Partido Comunista robusto e indestrutível no seu estatuto de partido de protesto, inflexível à mais ligeira alteração política que o colocasse na esfera da governação, com uma esquerda à sua esquerda fragmentada, cheia de egos mas incapaz de forjar um projeto global nem que fosse do tipo SYRISA e forças políticas populistas do tipo Marinho Pinto ainda em fase de instalação mas claramente sem grande imaginação, é sagrado que o esboço de uma alternativa teria de recair no PS e na reviravolta António Costa.

Ora, o que acontece é que desde a dinâmica interna suscitada pelas primárias alargadas internas que levaram António Costa ao lugar de candidato a primeiro-ministro e depois a secretário-geral, que galvanizaram efetivamente uma parte do eleitorado PS, a dinâmica não tem sido de enchimento, antes pelo contrário de alguma despressurização. Há várias razões que podem explicar este não enchimento de balão que deveria rebentar com um resultado de legislativas robusto e que colocasse o PS em boas condições para acordos de incidência parlamentar. Uma das razões prende-se, paradoxalmente, com a qualidade e coerência do próprio António Costa e não é nenhum elogio panegírico que estou aqui a fazer. António Costa é suficientemente honesto do ponto de vista intelectual e político para compreender que o contexto europeu, sobretudo com a path-dependency criada pelo Tratado Orçamental e pela fraquíssima envergadura dos principais protagonistas europeus, limita, qualquer que seja o desfecho de hoje quanto às reuniões focadas na Grécia, alternativas globais de governação que conduziriam por certo a uma melhor situação económica, mas que exigem uma profunda transformação do pensamento dominante na União Europeia.

Esta perceção que Costa tem claramente das limitações da governação no plano europeu inibe-o em tomadas de posição que fossem de maior expressão identitária com os mais penalizados pelos danos da governação da maioria. Ora estou certo que o apoio eleitoral suscetível de encher o balão e não o esvaziar depende de apoios de segmentos de população que serão muito pouco sensíveis ou mesmo desconhecedores da dinâmica de fundamentação que Costa traçou para o seu programa político: uma agenda estratégica de médio-longo prazo, um programa macroeconómico alternativo ao do programa de Estabilidade e Crescimento da maioria e finalmente um programa eleitoral.

O programa de Costa contaria com uma política de solidariedade europeia que se esboroa progressivamente à medida que os grandes temas europeus de momento vão sendo adiados com a barriga. E há que compreender que tem sido aterrador o modo como o grupo político socialista/social-democrata europeu (sem colocar em causa o espantoso empenho que personalidades individuais como Elisa Ferreira têm procurado alterar a relação de forças) tem deixado cair grandes bandeiras como a da mutualização da dívida. Como eu compreendo economistas como Paul de Grauwe e Mark Blyth quando se mostram horrorizados com a falta de apoio político para as suas teses e para a denúncia do rei vai nu que vêm operando por diferentes meios de disseminação do conhecimento. O grupo socialista/social-democrata, por submissão aos imperativos da austeridade ditados pelo ministro alemão Schäuble (haverá melhor harmonia do que a que existe entre a austeridade como punição e a figura de um ministro em cadeira de rodas?) ou, o que é ainda mais grave, por uma claríssima pouca distância face aos credores internacionais e seus interesses, é hoje uma força de bloqueio face a qualquer alternativa de governação europeia. E Costa percebe-o melhor do que ninguém, nunca assumiria uma estratégia como a de Tsipras que esperou até á última por um aceno de mudança vinda dos lados de Itália ou de França.

E depois há o caso Sócrates, não pelas razões que estarão a pensar. Não se trata dos efeitos de um caso de justiça que, por razões diversas (incluindo a da estratégia do próprio Sócrates), está hoje transformado num caso político. Não é por esse motivo. O caso Sócrates penaliza Costa e o PS porque os impede de realizar uma apreciação crítica da governação que acaba tragicamente com a divisão Sócrates-Teixeira dos Santos. E essa apreciação é crucial porque ninguém esperaria que a maioria não fosse glosar até à exaustão o tema da bancarrota e do despesismo (ver por exemplo o caso do Reino Unido). Neste contexto, Costa e o PS serão sempre apanhados no dilema de defenderem essa governação ou de a criticarem com o seu principal protagonista atrás das grades. Esse dilema seria inevitável? Não, se o PS tivesse atempadamente realizado a avaliação da sua passagem pelo poder e havia tanta matéria para reafirmar, consolidar, fazer diferente e rejeitar com convicção.

E claro do lado de lá não está uma equipa de amadores, de mancos ou solteiros e casados. Podem não ser muito elaborados de reflexão, mas de cheiro político eleitoral e de domínio dos mecanismos mais ocultos e profundos de campanha eleitoral sem a ser estão bem munidos, e têm uma comunicação social à sua disposição que bebe esse tipo de bytes como alguém bebe água perdido no deserto. Além disso, não abundam as vozes e o pensamento dos que poderiam criticar a maioria pelo caráter contraditório das suas posições liberais. O Observador reúne algumas dessas vozes, mas entre o malhar na alternativa socialista ou criticar o falso liberalismo da maioria o ressabiamento político de quase todas essas personalidades é demasiado forte e optam coerentemente pela primeira das soluções.

Para além disso, tenho insistido na tese de que em política a comunicação do contrafactual tem que se lhe diga. Com a economia a crescer, pouco mas a crescer e sem robustez estrutural, é certo, é sempre difícil a uma alternativa de governação fazer passar a ideia de que o produto está demasiado longe do produto potencial por força de uma política macroeconómica errada. Ou seja, é dificílimo fazer passar a ideia de que a economia portuguesa poderia estar a crescer muito mais se não fora o não justificado ajustamento rápido, penoso e sem resolver o problema da dívida. A literacia económica em Portugal é baixíssima, a começar pela do primeiro-Ministro. Qualquer byte mal intencionado passa despercebido. É mais fácil comunicar a recuperação (como se a economia de mercado não fosse uma sucessão permanente de recessões e expansões) do que explicar as razões de uma recuperação demasiado anémica e lenta. Os temas do zero lower bound, da estagnação secular, da gestão coordenada da recuperação europeia com os mais ricos a experimentar inflação superior à dos endividados são para círculos restritos e não invadem as decisões eleitorais.

De tudo isto fica a paradoxal ideia de que Costa, embora pragmático e consciente do que é o discurso político em Portugal, tem pela sua qualidade de político demasiada perceção das limitações que uma governação socialista enfrenta hoje no plano europeu, inibindo-o de representações identitárias mais afirmativas com a população portuguesa mais atingida pelos danos da governação atual.

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