(Os números e os discursos sobre os mesmos)
Em mais um dia de eventuais maus presságios para a Grécia, apesar da
recente aproximação entre as partes em negociação, Krugman transporta-nos para
um daqueles gráficos que nos mostram histórias mal contadas sobre o que
realmente os Gregos já fizeram na sequência do seu mais que criticado programa
de ajustamento. Não se trata de informação inventada, mas tão só de um conceito
vulgarmente utilizado pelos economistas para neutralizar os efeitos do ciclo
económico sobre os défices públicos primários, que poderemos designar de défice
público privado (sem ter em conta os juros da dívida) corrigido pelo efeito do
ciclo económico. Na verdade, em recessões, o défice público é pressionado
negativamente por receitas fiscais debilitadas pela queda atividade económica e
por despesas sociais acrescidas determinadas pelo impacto social dessas recessões
e o contrário acontece em expansões do ciclo económico. A medida deste défice não
está isenta de dificuldades como qualquer outra imputação, mas é um indicador
correntemente utilizado pelos economistas e pelas organizações internacionais
para neutralizar os efeitos do ciclo económico e medir rigorosamente quem é
pouco ou muito rigoroso nas contas públicas independentemente das conjunturas
que os governos têm de enfrentar. Para além disso, o gráfico de Krugman é
construído com base em informação fornecida pelo FMI. Esta instituição já se
enganou muita vez, veja-se o caso dos multiplicadores keynesianos, mas neste
caso é informação corrente e agilizada por métodos de imputação que não são de
hoje.
Ora, o que o gráfico de Krugman nos dá é simplesmente esta preciosidade:
quando calculámos o défice público primário neutralizando os efeitos da
conjuntura cíclica da economia, observamos tão só que a Grécia é a economia da
zona euro que desenvolve neste momentos excedentes públicos primários mais
altos. A Grécia pode ser acusada de tudo e mais alguma coisa, mas se retirarmos
o efeito da recessão vivida pela economia grega (parte da qual é gerada pelas
políticas de austeridade que lhe foram impostas e que continuam a ser exigidas
nas negociações em curso), a Grécia é quem revela um maior esforço de
consolidação de contas públicas, por muito que isto possa baralhar as mentes
mais desprevenidas. Aliás, a composição do gráfico é reveladora de práticas de
consolidação de contas públicas que não correspondem às cantilenas que nos são
transmitidas.
Essa é precisamente a verdadeira moral da história. O discurso e a
comunicação económica estão preparados para nos passar a mensagem de que os
gregos são intratáveis e permanentemente dispostos a viver do financiamento do
Norte. E que o SYRIZA veio simplesmente exacerbar essa intratabilidade.
Ora, a história está a ser mal contada. Há números que nos são
escamoteados, pelas duas razões expostas no meu post anterior. Primeiro, porque
é necessário mostrar que a austeridade nunca é suficiente, sobretudo com gregos
sempre propensos às tropelias fiscais. Segundo, porque tem vindo a engrossar o
universo dos rendidos aos ditames dos credores que não hesitam em viciar a
interpretação de dados macroeconómicos para agradar a seus amos e senhores.
O gráfico de Krugman é mais uma demonstração de quão viciada é ideia de que
os gregos não mexeram uma palha. Aliás, já toda a gente percebeu que se fosse
um governo de direita a representar a Grécia nas negociações em curso para os
valores de diferença em presença já há muito o acordo tinha sido celebrado.
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