(Em preparação
para uma nova incursão nos vinhos da Região Demarcada do Douro)
Não, não se trata de registo ou reportagem de qualquer prova amadora de
vinhos do Douro e Porto. Esta vida de consultor é madrasta para as
continuidades e interesses temáticos. Oscila em função da procura e esta é
profundamente instável do ponto de vista dos focos de pesquisa e reflexão que
permite. No ano de 2007, tive uma das minhas mais entusiasmantes experiências
de trabalho profissional através da coordenação do Plano Estratégico dos vinhos
do Douro e do Porto realizado para o IVDP, então presidido por Jorge Monteiro
hoje dirigindo a Vini Portugal. Entusiasmante porque fui então obrigado a
mergulhar na complexidade social, económica, empresarial e sobretudo
institucional do Douro, contactando com gente de excelência, mundividência incomum
em Portugal, sensibilidade refinada pela história das famílias e sobretudo na
problemática fascinante da relação dos vinhos de terroir com a cultura de esforço, iniciativa, internacionalização e
penosidade do Douro como território. Hoje, oito anos passados, tenho em mãos a atualização
parcelar desse estudo, agora por solicitação da Associação das Empresas dos
Vinhos do Douro e do Porto, até há pouco tempo identificada com a associação de
exportadores de vinho do Porto.
Tal como em 2007, o trabalho de preparação de um estudo desta natureza,
embora bem menos ambicioso do que o anterior, para retirar eficácia das
entrevistas com as personalidades mais representativas do setor exige um
mergulho prolongado nas dinâmicas de evolução que se terão verificado no setor.
E, tal como em 2007, nessa preparação de mergulho na complexidade do problema é
fascinante e retribui com retorno elevado o trabalho de pesquisa e de
reconstituição do racional reflexivo que me conduziu à redação de partes
substanciais do relatório desse ano e me conduzirá agora às sínteses necessárias.
A atualização em curso apanha inapelavelmente o período de forte perturbação
experimentada pelos mercados do vinho na sequência da crise de 2007-2008. Os
oito anos de evolução operada até ao presente foram um período de extraordinárias
e rápidas mudanças que atravessaram a região, mas sobretudo nas condições de
produção, comercialização e notoriedade dos vinhos do Douro (os chamados
tranquilos do DOC DOURO) e do vinho do Porto. Apesar de socioeconomicamente o
Douro continuar a debater-se com índices de baixo desenvolvimento económico e
social, a Região Demarcada foi objeto de forte investimento privado,
designadamente dos grupos empresariais (Symington, Fladgate, Sogrape, Sogevinus
e Porto Cruz) que controlam a exportação de vinho do Porto e, o que constitui
uma relevante novidade, de grandes investidores estrangeiros que adquiriram
quintas de grande expressão no Douro e iniciaram projetos vinícolas orientados
para a excelência. O que é relevante nestas tendências é a persistência mas
também a emergência de projetos de pequena e média dimensão na excelência, ora
combinando Douro e Porto, ora explorando cada uma daquelas vertentes. E também
emerge como uma nova regularidade a chegada à Região de grandes enólogos de
prestígio mundial para parcerias com projetos nacionais. E também grandes
produtores, o Esporão por exemplo, e grandes enólogos/produtores como Luís Pato
ou João Portugal Ramos noutras regiões, têm chegado à Região para experiências que
se têm revelado virtuosas.
Creio que foi António Barreto (em entrevista a Manuel Carvalho do Público) que
classificou o Douro como uma região de encontros e essa tradição parece
renovar-se incessantemente, o que não significa que os conflitos tenham
desaparecido, sempre com pano de fundo na relação entre a produção e
comercialização/exportação, agora cada vez mais alterada com a quota
progressiva de produção que os grandes exportadores têm vindo a assumir no
Douro. Os novos encontros parecem ser o cruzamento e a combinação de
conhecimentos e saberes-fazer locais, historicamente acumulados, com a
capacidade de investimento externa e o know-how
e reconhecimento da enologia de grande prestígio mundial e dos nossos mais
promissores enólogos. É também uma forma de mudança e de transição.
O símbolo que escolhi para materializar a transição de que falo é constituído
por duas imagens: a tecnologicamente sofisticada adega do produtor/engarrafador
Alves de Sousa e as vinhas velhas que tornam possível o seu vinho de exceção
Abandonado.
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