quarta-feira, 3 de junho de 2015

TANINOS E ARES DO DOURO E PORTO




(Em preparação para uma nova incursão nos vinhos da Região Demarcada do Douro)

Não, não se trata de registo ou reportagem de qualquer prova amadora de vinhos do Douro e Porto. Esta vida de consultor é madrasta para as continuidades e interesses temáticos. Oscila em função da procura e esta é profundamente instável do ponto de vista dos focos de pesquisa e reflexão que permite. No ano de 2007, tive uma das minhas mais entusiasmantes experiências de trabalho profissional através da coordenação do Plano Estratégico dos vinhos do Douro e do Porto realizado para o IVDP, então presidido por Jorge Monteiro hoje dirigindo a Vini Portugal. Entusiasmante porque fui então obrigado a mergulhar na complexidade social, económica, empresarial e sobretudo institucional do Douro, contactando com gente de excelência, mundividência incomum em Portugal, sensibilidade refinada pela história das famílias e sobretudo na problemática fascinante da relação dos vinhos de terroir com a cultura de esforço, iniciativa, internacionalização e penosidade do Douro como território. Hoje, oito anos passados, tenho em mãos a atualização parcelar desse estudo, agora por solicitação da Associação das Empresas dos Vinhos do Douro e do Porto, até há pouco tempo identificada com a associação de exportadores de vinho do Porto.

Tal como em 2007, o trabalho de preparação de um estudo desta natureza, embora bem menos ambicioso do que o anterior, para retirar eficácia das entrevistas com as personalidades mais representativas do setor exige um mergulho prolongado nas dinâmicas de evolução que se terão verificado no setor. E, tal como em 2007, nessa preparação de mergulho na complexidade do problema é fascinante e retribui com retorno elevado o trabalho de pesquisa e de reconstituição do racional reflexivo que me conduziu à redação de partes substanciais do relatório desse ano e me conduzirá agora às sínteses necessárias.

A atualização em curso apanha inapelavelmente o período de forte perturbação experimentada pelos mercados do vinho na sequência da crise de 2007-2008. Os oito anos de evolução operada até ao presente foram um período de extraordinárias e rápidas mudanças que atravessaram a região, mas sobretudo nas condições de produção, comercialização e notoriedade dos vinhos do Douro (os chamados tranquilos do DOC DOURO) e do vinho do Porto. Apesar de socioeconomicamente o Douro continuar a debater-se com índices de baixo desenvolvimento económico e social, a Região Demarcada foi objeto de forte investimento privado, designadamente dos grupos empresariais (Symington, Fladgate, Sogrape, Sogevinus e Porto Cruz) que controlam a exportação de vinho do Porto e, o que constitui uma relevante novidade, de grandes investidores estrangeiros que adquiriram quintas de grande expressão no Douro e iniciaram projetos vinícolas orientados para a excelência. O que é relevante nestas tendências é a persistência mas também a emergência de projetos de pequena e média dimensão na excelência, ora combinando Douro e Porto, ora explorando cada uma daquelas vertentes. E também emerge como uma nova regularidade a chegada à Região de grandes enólogos de prestígio mundial para parcerias com projetos nacionais. E também grandes produtores, o Esporão por exemplo, e grandes enólogos/produtores como Luís Pato ou João Portugal Ramos noutras regiões, têm chegado à Região para experiências que se têm revelado virtuosas.

Creio que foi António Barreto (em entrevista a Manuel Carvalho do Público) que classificou o Douro como uma região de encontros e essa tradição parece renovar-se incessantemente, o que não significa que os conflitos tenham desaparecido, sempre com pano de fundo na relação entre a produção e comercialização/exportação, agora cada vez mais alterada com a quota progressiva de produção que os grandes exportadores têm vindo a assumir no Douro. Os novos encontros parecem ser o cruzamento e a combinação de conhecimentos e saberes-fazer locais, historicamente acumulados, com a capacidade de investimento externa e o know-how e reconhecimento da enologia de grande prestígio mundial e dos nossos mais promissores enólogos. É também uma forma de mudança e de transição.

O símbolo que escolhi para materializar a transição de que falo é constituído por duas imagens: a tecnologicamente sofisticada adega do produtor/engarrafador Alves de Sousa e as vinhas velhas que tornam possível o seu vinho de exceção Abandonado.

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