(Os mistérios
da disseminação e circulação do conhecimento numa instituição internacional)
Uma instituição como o FMI está a transformar-se num mistério de complexa
resolução. Se as instituições fossem psicanalisáveis diríamos que o FMI padece
de alguma esquizofrenia, fortemente instável e sobretudo com um estranhíssimo
processo de transmissão de conhecimento até ao processo de tomada de decisão. É
óbvio que outras interpretações bem mais cabalistas são também apresentáveis. Pode
acontecer que Madame Lagarde represente, por exemplo, outros interesses que não
os da instituição e que as suas mudanças de humor, canalizadas para a comunicação
social, correspondam a outras agendas. O que é que por exemplo Lagarde quereria
dizer quando afirmou na passada quinta feira que “a Grécia e os seus credores
internacionais deveriam discutir a crise como adultos”?
A matéria que me interessa é a da contradição que hoje existe entre os
resultados de alguma investigação macroeconómica que a instituição FMI acolhe
no seu seio e as tomadas de decisão pública dessa mesma instituição nessas matérias.
Tudo se passa como se a instituição tivesse dois hemisférios cerebrais que não
combinam entre si, o analítico mais rigoroso e aberto à compreensão e invocação
de novas perspetivas de abordagem e o sintético e decisório fizesse
permanentemente tábua rasa dos resultados da investigação que ela própria
acolhe. Este problema faz parte dos focos de interesse deste blogue. Mas o tema
adquire cambiantes mais complexos quando ele se desenvolve no seio de uma
instituição. Esta contradição suscita as mais sérias e variadas dúvidas quanto
ao modelo de governação atual de uma instituição como o FMI, sobretudo do ponto
de vista das relações entre a circulação de conhecimento no seu interior e o
padrão decisório dos seus órgãos deliberativos e representativos.
Recentemente, a escalada desta contradição assume novos cambiantes porque o
FMI tem vindo a acolher investigação económica sobre os temas da desigualdade e
do crescimento económico. Não se pode acusar a instituição de não estar à l’aise com os ventos da mudança. A
desigualdade vai ser inequivocamente o tema do século XXI e uma instituição
internacional não pode ignorar essa tendência. Mas fá-lo num crescendo de
resultados que à medida que vão sendo publicados mais impactos produzem no
modelo de crescimento que se quer implementar para as economias mais dele
necessitadas.
Senão vejamos. Os nomes dos autores não nos dizem nada, mas importa
referenciá-los: Era Dabla-Norris, Kalpana Kochhar, and Evridiki Tsounta. O
crescendo de resultados merece atenção particular. Investigação anterior
acolhida pelo FMI mostrou que a desigualdade penalizava o crescimento e a sua
sustentabilidade (ver aqui). Agora, as conclusões apontam para que a própria
distribuição do rendimento e não apenas o nível de desigualdade impacte o
crescimento (ver aqui em forma de blogue e aqui em forma de artigo). Ou seja, o
que os autores concluem é que o aumento do rendimento dos mais pobres e da
classe média melhora as perspetivas de crescimento para todos. Ou como os
autores sintetizam, os pobres e a classe média são motores de crescimento económico.
Mas acontece que, nos seus programas de ajustamento, o FMI tem-se esforçado
por promover rigorosamente o contrário, marimbando-se para estes motores do
crescimento e apegando-se à cantilena das reformas estruturais, grosso modo
reformas que desvalorizam o papel do trabalho na dinâmica social.
Uma forma de esquizofrenia dissimulada ou sobretudo o tema chave da
interrogação: porque é que determinadas conclusões robustas de investigação
económica demoram tanto tempo a chegar ao processo de decisão?
It’s politics, stupid!
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