(À boleia do
traço impiedoso de El Roto)
O traço contundente de El Roto nas suas vinhetas diárias do El País
ajuda-nos melhor do que qualquer outro suporte ou instrumento a descrever a
encruzilhada em que a política dos nossos dias se debate, qualquer que seja o
nível da organização territorial do Estado em que ela intervenha. Tal como a
tenho interpretado a partir dos desenvolvimentos políticos mais recentes em
Espanha, Itália, Reino Unido, França e até Portugal e também o Brasil, a
encruzilhada parece ser esta. Ou, tal como na vinheta de El Roto, a política
tarda a sair do seu casulo protetor (na alegoria de El Roto o carro oficial) e
quando dele sai parece um inseto atormentado e entontecido pela luz, já incapaz
de se projetar como representação identitária dos cidadãos eleitores e dos que
não votam. Ou então, quando a política se afirma pela proximidade aos
problemas, injustiças e má fortuna dos cidadãos, tende a desenvolver soluções e
modelos de governação para os quais não tem regra geral nem força nem condições
para proporcionar as soluções de financiamento das propostas alternativas que
aquela identificação determina.
Talvez também dilema, mas mais seguramente encruzilhada, sobretudo porque
tardam vias intermédias suscetíveis de evitar os malefícios do afastamento face
aos problemas e injustiças pessoais, designadamente os da desigualdade, mas
também capazes de evitar propostas de soluções sem saída geradoras de
frustração coletiva, de deceção generalizada como categoria social, por sua vez
indutoras de ciclos longos de anomia social, de queda da criatividade cívica e
de descontinuidades democráticas. Serão essas vias intermédias não factíveis?
Não será possível recuperar a representação identitária dos mais injustiçados e
simultaneamente trabalhar margens de transformação possível financiáveis,
operando e explicando escolhas públicas sensatas? Será que a recuperação
identitária desses interesses terá de cair inapelavelmente em toda a série de
populismos incapazes de gerir expectativas que criam?
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