segunda-feira, 1 de junho de 2015

UMA ALEGORIA DA ENCRUZILHADA DA POLÍTICA




(À boleia do traço impiedoso de El Roto)

O traço contundente de El Roto nas suas vinhetas diárias do El País ajuda-nos melhor do que qualquer outro suporte ou instrumento a descrever a encruzilhada em que a política dos nossos dias se debate, qualquer que seja o nível da organização territorial do Estado em que ela intervenha. Tal como a tenho interpretado a partir dos desenvolvimentos políticos mais recentes em Espanha, Itália, Reino Unido, França e até Portugal e também o Brasil, a encruzilhada parece ser esta. Ou, tal como na vinheta de El Roto, a política tarda a sair do seu casulo protetor (na alegoria de El Roto o carro oficial) e quando dele sai parece um inseto atormentado e entontecido pela luz, já incapaz de se projetar como representação identitária dos cidadãos eleitores e dos que não votam. Ou então, quando a política se afirma pela proximidade aos problemas, injustiças e má fortuna dos cidadãos, tende a desenvolver soluções e modelos de governação para os quais não tem regra geral nem força nem condições para proporcionar as soluções de financiamento das propostas alternativas que aquela identificação determina.

Talvez também dilema, mas mais seguramente encruzilhada, sobretudo porque tardam vias intermédias suscetíveis de evitar os malefícios do afastamento face aos problemas e injustiças pessoais, designadamente os da desigualdade, mas também capazes de evitar propostas de soluções sem saída geradoras de frustração coletiva, de deceção generalizada como categoria social, por sua vez indutoras de ciclos longos de anomia social, de queda da criatividade cívica e de descontinuidades democráticas. Serão essas vias intermédias não factíveis? Não será possível recuperar a representação identitária dos mais injustiçados e simultaneamente trabalhar margens de transformação possível financiáveis, operando e explicando escolhas públicas sensatas? Será que a recuperação identitária desses interesses terá de cair inapelavelmente em toda a série de populismos incapazes de gerir expectativas que criam?

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