sábado, 27 de junho de 2015

CONDICIONARÁ A EUROPA A DEMOCRACIA?




(Reflexões em torno do artigo de José Pacheco Pereira “A Europa que nos envergonha” e dos últimos desenvolvimentos da tragifarsa grega)

José Pacheco Pereira (JPP) tem hoje no Público um artigo que, além de ser um verdadeiro libelo acusatório contra o estado de coisas em que a União Europeia mergulhou, constitui em meu entender um documento crucial de reflexão para todo o democrata que, qualquer que seja o país de origem, alinhou com as esperanças de um projeto europeu suscetível de aprofundar a democracia europeia.

Na perspetiva de JPP, o modelo económico e financeiro que subjaz ao pensamento dominante resulta de uma estranha aliança política: “ …o mal estar que existe na Europa é uma pedra no orgulhoso caminho imperial do Partido Popular Europeu, partido de Merkel, Passos e Rajoy e nos socialistas colaboracionistas que são quase todos que os acolitam. É isto a que hoje se chama ‘Europa´”.

A relação de forças que está criada pela proximidade, conivência e cumplicidade entre o pensamento alemão que domina o PPE e o meloso pensamento socialista e social-democrata que desde a Terceira Via de Blair e a descoberta do New Public Management está instalado entre os partidos socialistas e sociais-democratas europeus, tão bem representada nas franjinhas encaracoladas do Presidente do Eurogrupo, candidato a novo mandato, corresponde a uma via de sentido único que compromete a diversidade e a livre escolha democrática nos países que alinharam com a construção europeia. Esta ordem das coisas começava a ser visível, mas a emergência do SYRIZA e do modo como a sua chegada ao poder tornou tudo mais transparente. Tudo isto acontece sem se concretizarem os processos de integração politica e de harmonização fiscal que, a serem ratificados pelos Parlamentos nacionais, constituiria então uma assumida transferência de poder dos países para as instituições europeias cujo escrutínio democrático teria de ser muito mais efetivo e operante do que o atualmente existente.

Custa-me escrever esta frase, mas a democracia está condicionada por esta afirmação imperial de um modelo económico e financeiro para cujo contraditório existe pensamento económico e político que baste para o tornar possível, mas cuja manifestação de alternativa é bloqueada por um conjunto de compromissos a que os socialistas e sociais-democratas europeus se vergaram.

JPP tem razão em denunciar que o que a imposição negocial dos credores, acolitada pela posição não equidistante das autoridades comunitárias, significa é uma rejeição não das propostas gregas mas sobretudo do resultado das últimas eleições gregas. Como já o referi, fora outro o governo grego a protagonizar a negociação, por exemplo liderado pelo partido do senhor Samaras ou até pelo corpulento ministro das Finanças do governo do PASOK e outra seria a flexibilidade negocial.

Não importa discutir se o SYRIZA estava ou não preparado para a batalha em que se meteu, como também não importa aqui discutir o estilo negocial do próprio Tsipras, sobretudo depois da ideia de referendar a proposta dos credores. Todos estes aspetos serão válidos e não serei eu a defender o talento negocial de Tsipras e da sua equipa. Mas não é isso que está em causa. O que está em causa é que o modelo europeu evolui sem contraditório consistente e que as eleições nacionais estão hoje condicionadas por esse facto. Estou com JPP quando ele afirma sem papas na língua que: “O problema não é o pagamento aos credores, não é “a violação das regras europeias”, (quais?), não é uma esforçada dedicação pela “recuperação” da Grécia, é apenas e só político: não há alternativa, não pode haver alternativa, ninguém permitirá “nesta Europa” nenhuma alternativa que confronte o poder dos partidos do PPE e seus gnomos de serviço socialista, porque isso fragiliza aquilo que para eles é a Europa.”

Gostei sobretudo dos “gnomos de serviço socialistas”. Gostaria que a candidatura de António Costa estivesse mais a discutir este condicionamento e a arrepiar caminho para o contrariar do que a discutir cenários macroeconómicos.

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