(Tempos estranhos estes que vivemos. Também do ponto de vista da macroconomia e das suas grandes controvérsias. Ainda há pouco tínhamos desconstruído o mito de que a política monetária se bastava a si própria. A economia do “zero lower bound”, com taxas de juro nulas ou negativas e baixas expectativas de inflação a longo prazo, exigiu a formatação de novas convicções. Afinal a política fiscal importava e era mesmo crucial para ultrapassar o impasse. De repente, depois de generosos estímulos para combater os efeitos da pandemia, com relevo particular para o pacote de estímulos de Biden, aprendendo com o passado recente, tudo parece alterar-se e a política monetária parece ganhar de novo a dianteira. Muito do que estará em jogo nos próximos tempos dependerá se a inflação vai ou não entrincheirar-se nas economias alimentando espirais de salários-preços e marcando as taxas de juro de longo prazo. Entretanto, os Bancos Centrais parecem estar dispostos a provocar agravamentos recessivos para controlar a dita. E aqui vamos nós, regressados aos velhos debates …).
Todos já compreendemos que a gravidade do surto inflacionista, para lá da sua origem imediata, depende em grande medida se vamos ou não assistir à sua evolução em espiral, a ponto da inflação poder transformar-se num problema de expectativas. Os agentes económicos melhor informados sabem que, tendo em conta os diferentes poderes de fixação de preços, incluindo os da força de trabalho, os salários, o universo dos detentores de salários perde sempre com uma inflação descontrolada. Daí a reação compreensível de reparação das perdas de poder de compra. Mas a experiência mostra que, contraditória e tragicamente, reparações totais e plenas dessas perdas, com repercussões proporcionais nos rendimentos (salários, pensões e outros rendimentos do tipo) tendem a contribuir para a instalação dinâmica da inflação, ao que eu chamo entrincheiramento. Esta questão coloca-se com maior acuidade e premência quando as causas originais que espoletaram o surto inflacionista teimam em manter-se, como acontece com as disrupções da guerra.
O gráfico que o blogue do Fundo Monetário Internacional publicou e que acaba de chegar ao meu correio eletrónico traz matéria quente para esse debate, como é possível inferir de uma leitura rápida da sua mensagem.
O gráfico mostra que em diferentes contextos inflacionários, de inflação alta ou baixa, os salários tendem a reagir diferenciadamente aos choques energéticos. Em ambientes inflacionistas, os salários tendem a aumentar mais do que o normal em função de choques energéticos como o que vivemos hoje.
Estes gráficos valem o que valem, mostram-nos apenas regularidades em função de diferentes contextos, não devendo ser interpretados deterministicamente. Mas anunciam alguma coisa. E, neste caso, podemos considerar que anunciam uma tempestade perfeita. Estamos simultaneamente num ambiente inflacionário e num choque energético de grandes proporções, com transições de adaptabilidade lentas e difíceis de contornar.
E, para mais, quando se pressentia que na economia americana a inflação tendia a desacelerar , os números do último mês aconselham prudência nessa interpretação. Se pensarmos que o choque energético europeu não tem comparação em termos de gravidade com o americano, as preocupações aumentam.
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