sexta-feira, 2 de setembro de 2022

A OESTE PARA UM ÚLTIMO FÔLEGO DE FÉRIAS

                                                                               


(Nunca o regresso ao trabalho me custou tanto, talvez o reflexo de férias continuadas e não repartidas, e por isso o reencontro familiar de filhos e netos a Oeste por terras do Vimeiro, Santa Cruz e proximidades saiba a um último fôlego antes do regresso implacável aos relatórios para acabar o ano de 2022, com uma amenidade inesperada de fim de estio a marcar o tom. O país parece suspenso do que António Costa estará a preparar para alavancar o despertar da governação, estranhamente perdida no síndroma da maioria absoluta que parece atacar o PS e o caso Marta Temido não augura lá muito boas perspetivas)

Nos últimos tempos tenho aprofundado o cotejo entre as governações socialistas de Espanha e Portugal e as conclusões desse confronto não param de me surpreender.

Resumiria essa comparação nesta máxima:

Enquanto que a governação do PSOE em Espanha caminha para um estádio de instabilidade estável, pelo contrário em Portugal a governação do PS está cada vez mais próxima de uma estabilidade instável.

Entendo esta conclusão como um sinal dos tempos políticos em que estamos mergulhados.

Comecemos pela governação no arame de Pedro Sánchez. A designação de governo Frankenstein, designação tão horrorosa como a personagem, parecia condenada ao fracasso e a uma vida fugaz. Governar com a oposição esquerdista dentro de fileiras não é para todos e até à saída de Pablo Iglésias não há palavras para descrever as habilidades de equilibrista a que Sánchez foi obrigado. Com a entrada de Yolanda Diáz em substituição de Iglésias, que pertence a um PODEMOS já pouco “podemizado” e na sequência do seu projeto político de reunião da esquerda à esquerda do PSOE, o tal SUMAR que tem somado muito pouco, antes diminuído e dinamitados apoios da sociedade civil nesse quadrante, as habilidades de Sánchez voltaram-se para o seu relacionamento difícil com os regionalismos independentistas representados no Congresso de Deputados, sobretudo a Esquerra Republicana e o Bildu, com o Partido Nacional Vasco à espreita. Neste contexto de sobressalto permanente e de guerrilha contida a todo o momento, o PSOE tem feito passar com maioria parlamentar toda a legislação relevante. Feijoo e o PP têm prometido muita coisa mas com Isabel Diáz Ayuso a morder as canelas do partido e do seu líder e sempre pronta a um fogo de vista por conta da sua Comunidade de Madrid, o número de espanhóis que começa a perceber que o desengonçado governo poderá acabar a legislatura e que depois ganhe quem tenha unhas para convencer o eleitorado. Sánchez tem juntado a tudo isto um inesperado protagonismo internacional, que vai de Biden a Scholz na Alemanha e a dimensão do país tem ajudado, questão que não deixa de contar para um eleitorado movediço. A instabilidade está cada vez mais estável.

Por cá, a governação PS parece não ter interiorizado bem o síndroma das maiorias absolutas e a formação do novo governo careceu de alma e impulso. Perante uma oposição que apesar da boa entrada de Montenegro ainda não é para levar a sério, todas as grandes macas que têm emergido, ampliadas ou não artificialmente pela comunicação social, resultaram de questões internas. A instabilidade parece emergir a partir da própria estabilidade política interna e o tempo para António Costa poder marcar alguma diferença em termos de legado reformista é já bastante curto. Claro que uma pandemia seguida de uma guerra com profundas disrupções na economia mundial e uma inflação que não está devidamente explicada. A falta de alma reformista pode ter uma explicação – a adição em relação aos Fundos Europeus, com a dose redobrada do PRR, é tão forte que a energia governativa parece esgotar-se no afã de supervisão da implementação dos Fundos. E, se querem que vos diga, imaginar que a burocracia regulamentar dos Fundos, plurianuais ou de recuperação e resiliência, conviverá bem com reformas profundas do nosso modelo produtivo e de organização está para ser demonstrado.

Em matéria de transição da complexa conjuntura atual para uma perspetiva mais desenvolvimentista e de longo prazo, o governo, apoiado no que o BCE pretenderá fazer nessa matéria, tem de apresentar uma proposta coerente e credível de abordagem à inflação e assumi-la com clareza. Todos os portugueses agradecerão que o seu horizonte económico mais mediato seja clarificado. Evitar que a inflação se entrincheire e possa reproduzir-se numa espiral de preços-salários-preços parece-me essencial. Por mais que me custe admiti-lo, imaginar que os salários poderão variar em margem para uma correção total da perda de poder de compra equivale a uma solene tontice, que só o Mário Nogueira da FENPROF poderia protagonizar.

Aguardemos a clareza do Governo.

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