sexta-feira, 9 de setembro de 2022

NA MORTE DA RAINHA


Acabo por ceder à tentação de não deixar neste espaço um apontamento sobre a morte da Rainha de Inglaterra. Porque, se por um lado toda a imprensa mundial o está a fazer de modo obsessivo desde ontem ao final da tarde com edições especiais e emissões repetitivas até à exaustão, salientando a meu ver assaz exageradamente o papel histórico de Elizabeth, por outro estamos perante uma personalidade que marcou presença (mesmo que as mais das vezes inexpressiva ou quase simbólica) em múltiplos acontecimentos de referência para o mundo e para a Grã-Bretanha ao longo dos setenta anos em que reinou. Deste ponto de vista, apreciei especialmente, pelo seu rigor objetivo, o título que o “Público” escolheu para apresentar o obituário de Isabel II (“A rainha que andou de braço dado com a História e que assistiu ao declínio britânico na fila da frente”).

 

Quanto ao demais, e remetendo os leitores para a vastidão de notícias e comentários que por aí circula sob todas as formas, em todas as línguas e para todos os gostos, limito-me a sublinhar o sentido patriótico e de dever que Elizabeth sempre procurou colocar acima de tudo (dizem alguns que com algumas incursões pontuais que podem ter feito alguma diferença, dizem outros que com algumas exceções cirúrgicas e nem sempre justas), assim tendo contribuído para uma associação da monarquia britânica a uma ideia positiva de estabilidade político-social e para uma incontestabilidade do regime por parte de uma percentagem enorme da população.

 


(cartoons de Agustin Sciammarella, http://elpais.comBen Jennings, https://www.theguardian.com e Ricardo Martínez, http://www.elmundo.es)
 

Sublinhe-se ainda que a Rainha sempre manteve uma atitude discreta em relação aos filmes, às séries, às revistas mais ou menos cor-de-rosa, aos tabloides e à comercialização de todos os produtos que durante décadas alimentaram a imagem da monarquia britânica (do render da guarda em Buckingham às canecas e outros objetos com membros da família e nos quais o top de vendas ainda pertencerá a essa tão maltratada Diana de Windsor, designadamente por ação e omissão do marido e então príncipe), o mais provável é que a chegada do Rei que agora será Charles III traga uma quebra a todo esse entusiasmo e fulgor ― afinal, Carlos é um tanto cara-de-pau e vai ter de se fazer monarca aos 73 anos, aliás num quadro envolvente de enorme exigência e em que poderá ter a tentação de ser mais interveniente do que sua mãe, e a companheira Camilla Parker Bowles nada faz sobressair que possa considerar-se recomendável ou apetecível a qualquer nível; ficam como elementos de possível continuidade o casamento aparentemente feliz do novo príncipe herdeiro William (com Kate Middleton e respetiva descendência), por uma banda, e o agitador ascendente de Meghan Markle sobre o outro filho do rei (Harry) ou as malandrices do seu irmão Andrew, por outra banda. Mas, focando sério, lá que muita coisa vai mudar e que vão fazer falta os silêncios públicos e as pressões privadas da Rainha, assim como a sua presença sempre afável e colorida, lá isso parece ser um facto desde já altamente previsível.



(Firoozeh Mozaffari, https://cartoonmovement.com)

(Mahmoud Rifai, https://cartoonmovement.com)

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