Vizinhos na casa peninsular e irmãos proclamados (não sem alguma hipocrisia), os espanhóis (que, na realidade, são diversos ao serem castelhanos, catalães, galegos, bascos, asturianos, andaluzes e por aí fora) pouco têm a ver connosco. Vemo-lo em quase tudo, dos detalhes do quotidiano (vejam-se a forma intensa como vivem as cidades ou os horários tardios de restauração) aos aspetos relacionais mais profundos (vejam-se os impulsos nacionalistas extremados ou os arremedos de preferencial afirmação própria e quase sempre não solidária). Somos diferentes, muito diferentes, pois, dos nossos vizinhos e irmãos.
Algo que ficou bem claro no caso a que hoje quero aludir, o relativo ao primeiro cara-a-cara acontecido no Senado entre Sánchez e Feijóo, o que a comunicação social caraterizou como representando a “inauguração do ciclo eleitoral em Espanha”. Que contraste entre os mornos e insossos debates parlamentares entre o PS e o PSD (leia-se de Costa com Rio ou qualquer outro responsável laranja), e não apenas por razões associadas à fragilidade da Oposição! Algo de aproximado ao que ocorreu ontem em Madrid só terá tido por cá algum paralelo na exceção das trocas inflamadas e raivosas (e por isso mesmo, por razões mais do foro pessoal direto do que político) que marcaram os tempos finais da “geringonça” através das “caneladas” entre o primeiro-ministro e Catarina Martins.
Porque Sánchez, apesar das suas alegadas falta de empatia e de jeito para manipular o cinismo (ou vender inverdades), sabe que está sob a pressão de uma alternativa efetiva ao seu “reinado” e decidiu arriscar, i.e., não desvalorizar o perigo e passar ao ataque. Optou para tal por uma intervenção dúplice, por um lado assente num discurso de esperança centrado nas transformações estruturais que sustenta estar a pôr em curso a partir das medidas governamentais com que pretende enfrentar a inflação e proteger famílias e empresas face à incerteza dos tempos que correm e por outro orientada para um decidido e feroz enfrentamento do opositor, desmontando impiedosamente os seus “erros” e até insinuando “vícios” de piores tipos, sempre explorando com mestria as vantagens de tempo quase ilimitado que o regulamento lhe propicia enquanto governo. Uma colocação surpreendente, que acaba por trazer Sánchez de volta a uma disputa que parecia a caminho de perdida, tanto mais quanto Feijóo se deixou cair na armadilha do adversário e utilizou o seu muito escasso tempo de antena para desnecessariamente reafirmar a sustentabilidade da sua liderança e produzir meras e já recorrentes críticas à amplitude das dissidências internas no PSOE e à variabilidade das opções governamentais e dos seus parceiros parlamentares, tendo mesmo chegado a oferecer o PP como possível base de apoio se Sánchez assumisse o rompimento com os atuais sócios de coligação. Saldo final: por via de uma “fúria espanhola” bem bramida por Sánchez e mal digerida por Feijóo, um novo reabrir da disputa eleitoral e de uma disputa que começa a apontar para um certo regresso a um bipartidarismo de forças moderadas ― a confirmar, além do resto que se verá, nas cenas dos próximos capítulos.
Sem comentários:
Enviar um comentário