sábado, 17 de setembro de 2022

A SUÉCIA, DE NOVO

 


(Desculpem a insistência, não é obsessiva, simplesmente acho que os media não têm dedicado aos resultados das eleições suecas a atenção que eles merecem, tão focados estão no adeus dos britânicos à sua Rainha, que parece nossa, e nos problemas que o novo Rei parece estar a ter com as canetas, leiam a deliciosa crónica de Miguel Esteves Cardoso no Público. Enquanto não tiver uma explicação convincente para a radicalização da direita sueca não desligarei do assunto. Este post é mais uma cavadela no assunto, procurando pistas para explicar como essa radicalização acontece no modelo de Estado Social que prazenteiramente costumamos apontar como referencial. Ou a Escandinávia já não é o que era?…).

Como já foi aqui referido, os Democratas Suecos (o próprio nome faz parte de uma lavagem terminológica para não chocar o eleitor menos clarividente) são um partido de extrema-direita, anti-imigração e navegando senão no coração, pelos menos nas bordas de uma ideologia puramente nazi. Acabam de obter 20,6 % dos votos expressos, aumentando o seu resultado anterior de 17,5% e, embora possam não estar representados no governo que sucedera aos Sociais-Democratas, influenciarão seguramente a governação e o programa com que a coligação possível à direita vai propor à sociedade sueca.

Até aqui poderia dizer-se que os suecos se limitaram a seguir tendências que se têm manifestado por toda a Europa, num estranho casamento de proximidade entre desvarios a leste e tendências nas sociedades democráticas europeias mais maduras. Mas há um elemento que não devemos ignorar. A Suécia, juntamente com outros países escandinavos, é o “nosso” modelo de referência de Estado Social, Protetor e Redistributivo e, para além disso, apresenta níveis elevados de tolerância e abertura ao outro. Claro que hoje sem a ajuda do pessimismo inesquecível de Ingmar Bergman e desaparecida que está também a vertigem de escrita de Stieg Larsson que nos alertou por via da ficção para uma outra Suécia, mais sórdida e oculta do que imaginávamos, faltam-nos referentes para compreender a louça partida no modelo de harmonias que pensávamos existir.

Tenho procurado recorrer a gente da ciência política também intrigada com esta discrepância entre modelo e resultados. Não é abundante o baú. Mas aqui ficam algumas pistas possíveis.

Primeiro, não temos dado atenção à composição da demografia. Numa sociedade que tem sido particularmente tolerante à imigração, a cada ano que passa a sociedade sueca vai-se transformando com mais residentes que não nasceram no país (os últimos valores conhecidos apontam para 20%, percentagem que duplicou em duas décadas) e com filhos desses residentes que já nasceram no País mas cujo grau de aculturação ou de resistência às suas origens pode ser diversa. A interrogação aqui implícita é aterradora. Será que as populações estrangeiras que beneficiam da tolerância na receção da sociedade sueca estarão a torná-la menos compreensiva para com os migrantes?

Segundo, estudos empíricos disponíveis mostram que a perda de cada posto de trabalho induzida pelas diferentes crises a nível europeu e mundial se tem traduzido em meio voto adicional para os tais Democratas que adulteraram o nome com marca branca xenófoba. Este resultado pode ser uma daquelas correlações sem ponta de convicção conceptual que se lhe pegue. Interroga-nos sobre qual é o efetivo alcance da proteção social sueca, sobretudo a proteção no desemprego. A passagem pelo desemprego nesse contexto será uma razão plausível e forte para explicar a sedução pelo discurso xenófobo?

Terceiro, tenho pensado, embora sem pesquisa empírica de suporte para o fundamentar, se nas sociedades do modelo escandinavo de proteção e tolerância social não existirão limiares para a continuidade desses valores. Ou seja, a qualidade e recetividade do modelo de atração e acolhimento poderão depender da quantidade de influxos que decorrem dessa tolerância? Terão as sociedades escandinavas um limiar às suas aptidões redistributivas?

Imagino que, fazendo jus às suas origens ideológicas, os sociais-democratas terão tempo na oposição para pensar ativamente nestas questões, pelo menos enquanto a gestão das linhas vermelhas à direita for possível. É um debate que interessa a toda a social-democracia europeia (socialismo democrático). Até aqui existiam referentes sólidos mesmo que socioeconomicamente contextualizados. Esses referentes podem, entretanto, dar sinais de exaustão. O que torna a escolha das saídas bem mais complexa.

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