Confesso que ainda não tirei completamente a pinta ao chanceler alemão Olaf Scholz (OS). Um homem que, às vezes, parece pouco carismático e algo morno e hesitante e que, outras vezes, parece focado na perseguição de objetivos precisos e até dotado de uma visão aberta e abrangente quanto à necessidade que se lhe exige de mudanças definidoras.
Vou umas semanas atrás no tempo e recupero do final das férias referências a um longo e sugestivo discurso de OS, feito na Universidade de Praga, a propósito do futuro da Europa mas lançando também um olhar sobre as encruzilhadas presentes da política europeia da Alemanha; um discurso em que muitos observadores e especialistas encontraram razões de paralelismo em relação a um outro, tendencialmente estratégico e bastante desafiante nas palavras, realizado há cinco anos por Emmanuel Macron na Sorbonne sem qualquer eco do lado dos responsáveis alemães de então.
A postura assumida por OS no seu discurso foi claramente dialogante, até indiciando uma certa vontade de afrontar leituras críticas sobre as lógicas de uma “Europa alemã” que imperaram durante o consulado de Angela Merkel ao sublinhar que exprimia “ideias, pistas de reflexão e não soluções alemãs fechadas”. O certo é que OS foi cristalino na sua defesa de caminhos tão diferenciadores como os de um alargamento da União Europeia a Leste (Balcãs, Ucrânia, Moldávia e não só, tendo até apontado um intervalo de entre 30 a 36 Estados) e uma concomitante reforma dos Tratados e dos processos internos de decisão nele estabelecidos (passagem progressiva de um princípio de unanimidade ao de maiorias qualificadas, designadamente em áreas tão críticas como as das políticas externa ou fiscal e reforma dos mecanismos de representatividade no seio das instituições, entre outras) por forma a garantir uma continuada eficácia da União e a sua coerência integradora (versus opt-outs e tentações de diferentes velocidades). OS foi inclusivamente mais longe ao sustentar uma perspetiva de reforço da coordenação militar e da defesa europeia em geral (aliás em linha com a sua decisão de romper com setenta anos de “pacifismo” na imediata sequência da invasão da Ucrânia) e ao apontar para uma “Europa geopolítica”, por um lado, e para uma “soberania europeia” (assente em dimensões estrategicamente relevantes como as da procura de uma “autonomia” a todos os níveis, realçando a importância central de uma recuperação da competitividade global), por outro. Depois, OS também não evitou referências propositivas aos dois planos em que a unidade europeia mais foi abalada nestes anos recentes (os fluxos migratórios e as questões financeiras) e àquele que ocupa neste momento o topo das atenções e dissensões (a dependência energética). Por fim, OS mostrou-se ainda favorável à ideia de uma “comunidade política de democracias europeias” (envolvendo membros e não membros da União) capaz de favorecer um tratamento conjunto de temas determinantes para o futuro do Continente (segurança, energia, clima e conectividade), embora não tenha colocado a cereja no topo do bolo de recorrer aos termos que constavam dos acordos de coligação que estiveram na base da formação do seu atual governo (leia-se, a defesa de progressos em direção a um “estado federal europeu”).
Em suma, o conteúdo da declaração de OS deve ser registado como notoriamente merecedor da maior atenção, sobretudo na medida em que abre perspetivas positivas quanto ao que poderão ser alguns dos guidelines da evolução da política europeia da Alemanha no próximo futuro. No entanto, e sendo realista, importa não deixar de manter alguma dose de ceticismo em relação à coerência, à efetividade e à celeridade dessas possíveis, e até inevitáveis, reorientações alemãs ― porque os escolhos internos serão muitos e de vária ordem e, volto à minha, a firmeza do chanceler ainda não parece inequivocamente adquirida.
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