quarta-feira, 7 de setembro de 2022

7 DE SETEMBRO

Que me perdoem o Caetano e o Chico em especial, mas também a Bethânia, a Gal, a Elis, a Marisa, a Elza, a Caymmi ou o João Gilberto, o Cazuza, o Tim Maia, o Matogrosso, o Milton e o Djavan, sem esquecer uma menção especial ao Jobim e ao Vinicius, mas a canção obrigatória de hoje nasceu do engenho de Jorge Ben e começou cantada por Simonal para depois o ser por tantas e tantos outros. Porque é do “país tropical” que se trata neste dia em que se celebram os 200 anos da sua independência proclamada pelo nosso Pedro:


Moro num país tropical, abençoado por Deus

E bonito por natureza (mas que beleza)

Em fevereiro (em fevereiro)

Tem carnaval (tem carnaval)

 

Eu tenho um fusca e um violão

Sou Flamengo

Tenho uma nêga

Chamada Tereza

 

No último mês, o “Público” presenteou-nos com documentos muito relevantes sobre a história e a realidade do Brasil, bem assim como sobre a multiplicidade das suas relações históricas, políticas, económicas e culturais com Portugal. Para eles remeto os nossos leitores, não sem daqui sugerir a respetiva reunião em livro que possa preservar a qualidade e a memória desses textos. Fazendo jus a uma óbvia deformação profissional, de todo esse abundante material extraio humildemente os acima reproduzidos gráficos elucidativos da estreiteza do intercâmbio económico atualmente em presença (menos de 3,3 mil milhões de euros de trocas comerciais, algo equivalente a uns vergonhosos 0,2% do respetivo potencial económico; compras e vendas recíprocas fortemente concentradas em azeite e vinhos do lado português e em petróleo e outros produtos primários do lado brasileiro, respetivamente um terço do total para o azeite e 60% do total para o petróleo; fluxos de investimento direto estrangeiro tornados pouco significativos após tempos em que uma política de internacionalização da economia portuguesa parecia capaz de render frutos ― um assunto que já aqui abordei em tempos mas a que me apetece voltar um dia destes), sublinhando paralelamente como única evidência marcante a da presença crescente em território português de cidadãos brasileiros (250 mil, informou Marcelo) fugidos da insegurança (com impacto interclassista mas contemplando um bom número de ricos) e das deficientes condições de vida (vemo-los diariamente a servir nos restaurantes, nas entregas da Uber e em biscates de toda a ordem) que vão caraterizando o seu país.


Pessoalizo, por fim. Porque o Brasil também faz parte da minha pequena história, com a qual não vos maçarei senão para fins de estrita e saudosa inventariação: as deslocações académicas ao Recife (lembro-me de por lá andar, então, o Reitor Alberto Amaral), a Santa Catarina (Florianópolis on my mind, com destaque para a casa do Professor Nader e todo o entorno daqueles dias inesquecíveis e incontáveis) e a São Paulo; a maravilhosa e irrepetível viagem à Amazónia com a família (destaque para a pujança da vegetação, as piranhas do Sarué, o nascer do sol no “encontro das águas” do rio Solimões com o Negro e o esplendor de Manaus), seguida de outras a registar com saudade (Salvador da Baía, Ilhéus, Porto de Galinhas e a Ilha de São Paulo, a Foz do Iguaçu, São Luís e os Lençóis Maranhenses, Belém do Pará e a Ilha Marajó, as praias de Pernambuco, do Ceará e do Rio Grande do Norte, além de Pipa); as incursões de trabalho e suas estonteantes derivações em Belo Horizonte (Minas Gerais), Coritiba (Paraná) ou João Pessoa (Paraíba), com breve passagem de reconhecimento pela Brasília de Niemeyer; as passagens de todo o tipo pela magnífica São Paulo, onde passei dos momentos mais emblemáticos da minha vida, cavaqueando algures, passeando no Ibirapuera, vagabundeando pelo MASP ou simplesmente fazendo compras no Iguatemi e na Óscar Freire, estas antecedidas ou seguidas de refeições memoráveis no meu melhor restaurante do mundo (o Figueira Rubayat na Haddock Lobo) e de estadas não menos condignas (seja no Emiliano ou no Unique, mas no mais em conta L’Hôtel, junto à Paulista), e, necessariamente, pela “cidade maravilhosa” (esse Rio de Janeiro onde já literalmente fiz de tudo, incluindo uma passagem de ano de branco vestido mas também vários pôr-do-sol no Arpoador, deambulações pelas ruas do litoral sul (Prudente de Moraes, Visconde de Pirajá e as suas paralelas e perpendiculares, além de praças como a General Osório e suas feirinhas), manhãs de praia épicas em Ipanema ou Copacabana, uma ida a Petrópolis, passagens pelo grandioso Jardim Botânico, voltas diversamente infindáveis pelo Centro Histórico com lanches indispensáveis na belíssima Colombo, e onde até cheguei a deixar-me levar pelo entusiasmo de admitir a fixação de uma segunda residência na Barra da Tijuca). Perdoar-se-me-á, pois, o pecado deste parágrafo, quiçá excessivamente revivalista; mas a verdade é esta: celebrar o Brasil como hoje se nos impõe implica também para mim celebrar/recordar vivências múltiplas e tão marcantes que acabo forçosamente motivado em direção a um tão tremendo apelo de irresistibilidade.



Termino com um voto conjuntural relacionado com a encruzilhada que define a política brasileira: que outubro traga ao “impávido colosso” o fim desse pesadelo a qualquer título inclassificável que é Jair Bolsonaro. E se para tal for preciso eleger Lula, apesar dos seus lamentáveis erros e desvios (por ação ou omissão), pois que seja! Até porque eu pude presenciar ao vivo a sua vitória de 2001 e o modo fervoroso e arrebatado como ela foi sinceramente sentida nas ruas pelo chamado “povo pobre”, gente que as suas políticas iniciais ainda conseguiram atingir pela positiva e que lhe permanece por isso fiel. Por um Brasil melhor, por um Brasil democrático e inclusivo, viva o Brasil!

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