segunda-feira, 26 de setembro de 2022

PARA LÁ DO DIO, PATRIA, FAMIGLIA

 

(Em política há cada vez menos milagres, até porque a trilogia que inspirava Giorgia Meloni os reivindicava para si própria. Por outro lado, como dizia Rui Tavares no Twitter, “uma coligação à direita, três à esquerda, num sistema eleitoral que foi feito para beneficiar coligações as mais amplas possíveis, que é que esperavam? Em qualquer situação, quem se recusa a integrar as regras do jogo na sua estratégia leva já uma derrota pré-anunciada. Peccato!”.Os baronetes da agonizante esquerda italiana estarão ainda certamente seguros das “profundas razões” que os conduziram ao abismo da litigância, uns aproveitarão como Letta para regressar ao que faziam, outros vão perfilar-se como novos candidatos ao pequeno estrelato, farão juras de defesa intransigente dos valores europeus. Apetece-me insultá-los, mas contenho-me e só espero que alguns como Renzi desapareçam rapidamente do mapa afogando-se no anonimato. Entretanto, como sempre acontece nestas ocasiões, emergem indicadores económicos para retratar o mal-estar italiano. Vou aqui reproduzir dois desses elementos, mas isso não significa de todo que esteja interessado em normalizar o absurdo.)

 

O primeiro gráfico foi trazido por Branko Milanovic (link aqui) e analisa o desempenho global da economia italiana à Paridade dos Poderes de Compra nos últimos 25 anos, medido pelo Produto Interno Bruto per capita. A evolução é clara. Há 25 anos, a Itália superava três vezes e meia o produto per capita mundial, digamos a média mundial. Hoje, pelo indicador mais recente é simplesmente o dobro.

O que quer isto significar? Em meu entender que o declínio económico é frequentemente campo fértil para a invocação de valores do passado, tanto mais que segundo muitos a Itália nunca fez uma efetiva catarse sobre os males do fascismo à italiana. Não é propriamente novidade. Vale sobretudo pelo rigor da informação. O declínio é perspetivado no plano relativo.

Curiosamente, em termos absolutos e reais, o PIB per capita à Paridade dos Poderes de Compra é hoje igual ao de 1999:

 


O segundo gráfico (link aqui) é mais surpreendente, direi mesmo contundente. Descreve na última década o comportamento do salário mediano em Itália. O desempenho negativo espanta, sobretudo num país em que nos habituámos a assistir ao poder reivindicativo sindical. A descida do salário mediano é nua e crua, sobretudo quando a comparamos com o universo dos países representados no gráfico. A vivência dos resultados deste desempenho é campo fértil para o descontentamento inorgânico, vazios de representação e emergência de discursos de preenchimento desse vazio.

Esta informação vale o que vale, não é determinística, entra e anima uma amálgama de pequenas evidências, que por vezes passam despercebidas e às quais não concedemos a devida atenção.

Tão só e nada mais do que isso.

 

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