domingo, 25 de setembro de 2022

O PRINCÍPIO DO FIM?

 


(Fim de semana relativamente atípico, marcado por um sábado de reencontro com Amigos e Amigas, Almoço de Curso dos 50 anos, e domingo ameaçado pelos possíveis resultados das eleições italianas e pelo que elas poderão representar para a dinâmica das coisas maléficas na União. Mas é sobretudo em torno deste último tema que o post é elaborado retomando reflexões que bem cedo comecei neste espaço a registar, evidente para mim que é o possível efeito dominó que a chegada ao poder da direita radical pode representar num projeto Europeu colado com cola de fraca qualidade.)

Confesso que não sou propriamente um entusiasta de encontros nostálgicos e algo revivalistas do passado universitário. Essa falta de entusiasmo tende a aumentar com as idades mais avançadas com que tais encontros se celebram. Por razões compreensíveis. Gente muito próxima que a saúde atraiçoou e nos deixou, outros que também a saúde retirou do convívio e depois aquela estranha sensação da perceção coletiva do envelhecimento (elas claramente melhor do que eles), como se necessitássemos de ver nos outros o que nós próprios percecionámos. Mas, em bom rigor, devo também dizer que o depois é sempre mais retribuidor do que o antes anunciaria, porque nos tempos que correm é reconfortante rever gente que mantém uma boa relação com a vida, que está de bem consigo própria e com o mundo, que conserva o sentido de proporção das coisas, que se entusiasma e que se abre à diferença. E se concluirmos ainda que entre essa gente de quem se gosta muito há leitores e leitoras deste blogue, então ainda se compreende melhor que vá para estas coisas retraído e venha de lá com outra disposição.

E por falar em gente que está de bem consigo própria, existe seguramente uma massa de italianos que não está nessa situação. Num eleitorado que é tradicionalmente muito estável, concedendo pesos eleitorais descomunais a forças políticas inorgânicas, como aconteceu com o 5 Estrelas de Beppe Grillo e esfumando depois essa votação num ápice, toda a boa vontade do mundo e contextualização profunda do que é a sociedade italiana não são suficientes para condescender com a abertura recente dos italianos à direita mais radical, com raízes inequívocas no fascismo de Mussolini. Posso compreender que haja um eleitorado seduzido pelo vigor e determinação de Meloni e que o seu não comprometimento com governos anteriores, particularmente com o de Draghi, lhe conceda uma reserva de opinião que, dizem alguns analistas, pode esfumar-se rapidamente quando ficar associada ao poder. Mas o apoio ao troglodita Salvini e ao palhaço Berlusconi e a atração pelo passado fascista de Meloni é algo que transcende alguém normal cidadão como eu.

A situação chegou a um ponto de absurdo que diz bem do lio em que a Europa está metida. O Economist procurava por estes dias racionalizar o que está a acontecer em Itália invocando que, de mal o menos, será melhor que seja Meloni a chefiar um governo de direita radical do que os seus comparsas Salvini ou Berlusconi. Aonde nós chegámos. Que os italianos gostem de se banhar no excesso e queiram reviver um passado cuja destruição não terá sido bem resolvida é lá com eles. Mas do ponto de vista da construção europeia e da ameaça para o projeto que é a única salvação possível para contrariar todo este movimento de radicalização à direita, a situação é bem mais que preocupante. Dai a interrogação do título “O princípio do fim?”, obviamente do fim dos valores democráticos, do menor denominador comum que é possível estabelecer entre os europeus.

Ao contrário do que se pensaria, Meloni, mais ela do que o partido Irmãos de Itália, que alberga uma escória claramente mais enraivecida e se esforça por contrariar o branqueamento mussoliniano da sua líder, não está propriamente interessada na destruição formal da União e do Euro. O que pode antever-se no seu posicionamento político é a vontade de esmifrar profundamente a União em matéria de apoios, minando-a por dentro quanto a certos valores (a posição anti-imigração à frente de todas). E Zelensky e a Ucrânia que se preparem porque como antevejo os efeitos futuros de uma eventual chegada ao poder em Itália da direita radical rapidamente se pode esboroar toda a consciência europeia de suporte à Ucrânia e condenação veemente da autocracia de Putin.

Dizíamos por estes dias que a morte de Isabel II marcava para os britânicos o fim de uma era, que a sua diligência procurou prolongar o mais possível. A perceção que tenho é que com as eleições italianas de hoje pode estar a formar-se o fim de uma outra era, aqui neste caso mais profunda, pois trata-se de um sistema de valores que demorou cerca de 70 anos a impor e a conservar. Oxalá esteja errado, já que estarei sempre disponível para trocar o estatuto de analista aprendiz e mal-amanhado pelo de positivamente surpreendido pelos resultados e dinâmicas das coisas. Para estar de bem consigo próprio, com os outros e com o mundo.

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