sábado, 3 de setembro de 2022

REGRESSO COM RECESSÃO EUROPEIA NO HORIZONTE

                                                                            


                                                                     (The economist)

(Os Europeus estão a regressar ao trabalho depois de umas merecidas férias pós-pandémicas com um horizonte de expectativas carregado, curiosamente com epicentro localizado em terras que costumam ser o motor de crescimento do bloco europeu. O Economist dá conta na edição de ontem, link aqui, dessas nuvens negras em matéria da combinação indesejável: inflação ainda não controlada o que faz supor que o BCE vai tornar a sua intervenção mais restritiva, preços de energia elétrica e gás a dispararem e sem tempo para uma transição energética mais suave e progressiva dissipação do efeito positivo associado ao aproveitamento de encomendas anteriores, algumas das quais provenientes de tempos anteriores à pandemia. Itália, Alemanha, Áustria, Chéquia e Polónia anunciam o pior em termos de impulso de crescimento e, paradoxo dos paradoxos, a inclassificável Hungria de Orbán continua a manter um ritmo apreciável de produção industrial, assente, sugere a revista britânica no surto de investimento de baterias para a indústria automóvel. Dirão alguns que nos aproximamos de um contexto praticamente idêntico à estagflação dos anos 70 também alimentada pelos preços de energia. Mas, sem ignorar a gravidade da questão energética neste regresso ao trabalho, a verdade é que os dois contextos não são comparáveis – a dependência do petróleo é substancialmente menor e nesse campo a produção de energias renováveis em Portugal coloca-nos finalmente numa posição bastante honrosa logo abaixo da Dinamarca.)

Estamos hoje num contexto em que tudo indica que pandemia, invasão da Ucrânia pela Rússia e disrupções associadas irão integrar, quando interpretadas com a distância anímica e temporal adequadas, uma evolução mais longa e profunda da qual não sabemos compreensivelmente hoje interpretar os seus principais contornos. E, como sempre, a relação entre o presente e o tempo longo traz-nos a diferença de intensidade e de privação entre quem vive tais momentos na mais profunda indiferença quanto ao que eles vão significar e sofre na pele as suas consequências e os que mais tarde irão provavelmente beneficiar dos efeitos das mudanças cujos contornos não conseguimos hoje ainda identificar.

Por isso, o argumento historicamente sério de que no tempo longo as mudanças trouxeram sempre melhorias de bem-estar material e de acesso a bens e serviços colhe pouco para os que vivem o presente dessas mudanças ainda indefinidas. E, talvez pela primeira vez na história, acresce que a ideia de progresso deixou de ser mobilizadora, porque está carregado de incerteza e indeterminação, cuja concretização depende cada vez mais de como formos capazes de fazer e infletir as tendências de hoje. O tema das mudanças climáticas ilustra essa especificidade da perda de sentido apelativo que a ideia de progresso hoje representa.

Portugal enfrentará assim um regresso à vida política marcado por uma Europa a carburar mal e isso não deixará de se refletir na nossa capacidade de exportação. E se perante esta realidade o BCE, tal como o FED USA já o admitiu, começar a praticar a ideia de que o controlo da inflação implicará em qualquer medida um aumento de desemprego, aos sinais de antecipação recessiva irão juntar os próprios efeitos da política monetária mais restritiva. A economia portuguesa parte para essa possibilidade com uma situação relativamente desafogada em matéria de desemprego, o que será uma vantagem, tanto mais que o contexto é de rarefação generalizada de mão de obra e não a sua abundância. Claro que temos a realidade do desemprego de longa duração, mas essa é uma história que já conhecemos bem. A longa permanência na situação de desemprego tem um histórico de desqualificação e o sistema público de emprego e formação não tem feito tudo o que estaria ao seu alcance para reduzir o desemprego de longa duração.

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