(Estou curioso quanto tempo vai durar a duração e intensidade da cobertura mediática, sobretudo televisiva, em Portugal da morte da Rainha Isabel II. Os critérios editoriais pertencem às televisões e meios de comunicação em geral e longe de mim a pretensão de discutir esses critérios. O meu ponto é a evidente diferença de significado que a morte da Rainha e sua sucessão apresentam no Reino Unido e num país como Portugal, embora protagonista de uma aliança bem antiga. Justificada no Reino Unido, talvez excessiva cá pelo burgo, a cobertura mediática do acontecimento não pode ser desligada da singularidade plena da monarquia britânica. Se a análise não me atraiçoa, comparando as monarquias que vigoram sobretudo na Europa e o reconhecimento pelas respetivas sociedades da sua importância, a singularidade do Reino Unido é tão marcante e diferenciada que nos pode ajudar a explicar o significado último da morte de Isabel II. É nesse contexto de singularidade britânica que me custa a entender a massiva projeção mediática da sua morte na televisão portuguesa. O Governo terá visto com algum sossego a discussão do seu pacote de medidas anti-inflação relegado para plano mais que secundário …).
De facto, por mais que o esforço mediático da monarquia britânica seja desenvolvido com competência, sobretudo depois da sua adaptação aos novos tempos e quase perdido na memória que está o caso Diana, é ineludível que a Rainha (menos a Família Real) tem um papel declaradamente evidente de agregação do povo britânico. O Reino já viveu melhores dias, embora o excêntrico Boris Johnson tenha ensaiado a reconstituição da pompa e circunstância imperial. A Escócia não desiste da ideia de independência e de referendo nessa área, sobretudo depois do Brexit perturbar a opção claramente europeia dos Escoceses. A Irlanda do Norte reagiu violentamente às trapalhadas geradas pelo Brexit e o projeto da Grande e Única Irlanda não está esquecido. O País de Gales será talvez o mais recalcitrante a uma desagregação do Reino Unido e tem o seu Príncipe de Gales agora transformado em Carlos III, o novo Rei. A Inglaterra está a braços com um profundo “divide”, fraturada entre uma cosmopolita aglomeração de Londres que não queria o Brexit e o restante território. Ora, nestes dias de um Reino pouco Unido, a figura da Rainha e de Isabel II em particular acabou por funcionar como um símbolo de referência (e de união) do que é ser britânico num mundo de hoje em profunda transformação. O facto de se tratar de um longo reinado, com a jovem Elizabeth a acompanhar o seu pai em plena Segunda Guerra Mundial, transformou a Rainha num referencial de memória que foi acompanhando diferentes gerações de britânicos. É isso, em meu entender, que explica a inequívoca aceitação popular da monarca e a identificação do povo britânico com a postura da sua Rainha. A imagem de uma Isabel II, de preto, sozinha, por força das limitações do confinamento, na cerimónia da morte do Príncipe Filipe, seu Marido, e o impacto que essa imagem teve no cidadão comum são uma evidência indesmentível do caráter identitário de um símbolo que une pelos traços identitários que proporciona.
Não tenho cultura real suficiente para analisar se a identificação com Isabel II é similar ao sentimento relativo à Família Real. E muito menos se a coroação de Carlos III vai ou não alterar essa identificação. Não deixa de ser um fardo suceder a uma soberana com um reinado tão longo, sobretudo no que respeita às memórias que ela representava relativamente aos diferentes escalões etários do povo britânico.
A Rainha morreu em paz, Viva o Rei dirão os britânicos. Mas extrapolar da inequívoca e por vezes comovente singularidade britânica para aspirar a novos voos para as monarquias europeias cheira a um profundo passadismo.
E, já agora, como vai ser diferente visualizar os novos episódios de The Crown.
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