domingo, 4 de setembro de 2022

ITÁLIA

 


(O intelectual francês Bernard-Henry Lévy assina no El Español uma crónica corajosa, link aqui, alertando para a trágica importância das eleições em Itália de fins do presente setembro. Partilho a sua inquietação, sobretudo pelo facto da Europa como um todo estar na prática a normalizar o perigoso absurdo de uma possível vitória da direita coligada, liderada pelos Irmãos de Itália e pela sua personagem de combate Giorgia Meloni. A mal-amanhada reconstrução do passado político de Meloni, procurando apagar as suas inequívocas proximidades e admiração pelo fascismo de Mussolini, é demasiado grotesca, dada a gravidade da situação que paira sobre a Europa depois da derrota política do “salvador” Draghi. Enrico Letta, líder do Partido Democrático, nas sondagens ainda longe dos votos necessários para barrar a extrema-direita em Itália, tem carradas de razão quando adverte para o perigo fatal de contágio que a eventual chegada ao poder da coligação que tem Meloni, Salvino e Berlusconi como parceiros pode gerar numa Europa assustada com as consequências económicas e sociais do momento atual.)

O tempo longo da degradação política em Itália deveria ter-nos alertado o suficiente para compreendermos a tragédia que paira sobre a Europa nesse dia de tira-teimas eleitoral em Itália. A permanente mudança de personagens-chave do espectro político italiano, que vem desde a destruição do Partido Comunista Italiano e o desaparecimento da Democracia Cristã, a longa agonia dos socialistas e democratas italianos, as várias promessas do Partido Democrático com uma saída de sendeiro de Renzi deixam uma marca de défice continuado de representação política junto dos mais desfavorecidos que a direita espetáculo de Berlusconi, salvínica da Liga e agora dos mais do que estranhos Irmãos de Itália tem explorado até à exaustão. Os filmes de Nani Moretti anunciavam razões para a dissipação da esquerda, só que os reduzimos a um material fílmico, sem querer neles interpretar o anúncio de uma degradação.

O artigo de Bernard-Henry Lévy é uma tentativa de puxar pelos valores democráticos mais profundos da cultura italiana, tentando uma espécie de “rassemblement” final, um “aggiornamento” de circunstância considerado decisivo para barrar um possível e muito provável governo liderado por Meloni. Mas um “aggiornamento” dessa natureza exigiria mais do que um propósito de barragem. Isso, a acreditar nas sondagens, já não convence o eleitorado italiano que parece disposto a experimentar a vertigem. E é aqui que o papel do Partido Democrático de Enrico Letta é, em meu entender, insubstituível, sobretudo depois de ele ter conseguido montar de novo pontes entre as diferentes tendências do partido que Matteo Renzi tinha destruído com toda a imprevidência do mundo. A queda do governo de Draghi afetou largamente esse esforço de reconstrução do PD, já que Letta inteligentemente compreendeu que nas condições observadas Draghi era a melhor opção para conter os fortes impulsos da direita mais radical chefiada por Meloni.

 

Não será por acaso, assim, que o PD irá a votos, em parte em desvantagem, com um programa que na prática é o de Draghi com alguns acrescentos para marcar diferenças junto do eleitorado.

Com toda a história de desavenças e de guerrilha interna que o PD viveu nos últimos tempos, e Letta não é a personalidade carismática que dispute esse plano com Giorgia Meloni, o risco é o “aggiornamento” pedido por Lévy ser fortemente penalizado pelo facto do PD ser o único partido que parece poder disputar uma massa eleitoral. Será que em cima da linha final, o desavindo centro-esquerda italiano, reforçado por alguma direita que não se identifique com o triunvirato Meloni, Salvini, Berlusconi, será capaz de compreender a tragédia que paira sobre a Europa e conseguir uma unidade reconhecível pelo eleitorado?

As eleições serão disputadas com poucos dias de outono no calendário, mas poderemos ter no plano político uma real antecipação do inverno. Com o problema do gás natural a juntar-se a tal antecipação.

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