domingo, 11 de setembro de 2022

JAVIER MARÍAS

                                                                            

(Tinha para hoje preparada uma crónica centrada no que o The Economist designa de “radicalismo de pantomina”, designação que a sempre perspicaz e informada Teresa de Sousa utiliza na parte final do seu artigo no Público. Mas a notícia amplamente divulgada nos jornais espanhóis do escritor Javier Marías, na sequência de uma grave infeção pulmonar e coma associado, entristece irremediavelmente este domingo. Percorro os muitos volumes que tenho na estante do escritor espanhol, essencialmente edições Alfaguara e algumas versões em castelhano, tenho uma sensação estranha de que os irei reler com outro significado e também percebo que a crónica que o El País publica será a última e que não contaremos com o seu espírito fino de observador impiedoso do nosso tempo).

Ainda há pouco acabei a leitura do desconcertante Tomás Nevinson, uma história de um espião ao serviço dos serviços secretos ingleses a quem é reservada uma missão estranha de eliminar uma de três mulheres, supostamente uma militante da ETA disfarçada na sociedade espanhola e que nunca foi identificada e acusada. Mas os dois grandes livros que fizeram da prosa de Javier Marías uma companhia constante foram Berta Isla um fabuloso retrato feminino e Todas as Almas, este com um retrato de outro mundo do ambiente de Oxford e dos seus Colleges, ele que foi nessa universidade professor de Literatura Espanhola e Teoría da Tradução entre 1983 e 1985).

A sua última crónica no El País (link aqui), e que vazio a sua morte vai deixar no jornal, “El más verdadeiro amor al arte,” é uma homenagem sublime aos tradutores, só possível a um escritor com a sensibilidade de Marías, na qual poderemos uma homenagem oculta a sua mãe, Dolores Franco, professora e tradutora..

Vários escritores escrevem na edição online do El País textos comoventes e profundos sobre a pessoa Javier Marías e também sobre o seu estilo inconfundível de escrever não com mapas mas com bússola. Destaco particularmente a crónica de Juan Gabriel Vásquez, o escritor colombiano já aqui repetidas convocado pelos dois autores deste blogue (link aqui). Já Manuel Vilas escreve coisas surpreendentes sobre a sintaxe de Javier Marías e sobre o seu contributo para a extensão do castelhano e dos seus limites, ele que se considerava um anglosaxónico em termos de influências literárias (link aqui).

Surpreendido aos 70 anos por uma pneumonia cuja gravidade se acentuou após internamento relativamente longo, por isso com uma morte extremamente precoce para tanto talento ficcional e estilístico, dizia Perez Reverte (link aqui) que o facto do Nobel não ter sorrido a Javier Marías, depois de tantas expectativas, não abona nada de positivo quanto ao prémio literário em si.

Assino por baixo.

 

Sem comentários:

Enviar um comentário