segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

GERAÇÕES DE TAXAS DE JURO



Há dias, recolhendo informação sobre os recentes desenvolvimentos do “zero lower bound” e sobre o impacto do SYRIZA nos mercados financeiros, dei comigo a pensar que sessenta e cinco anos de vida são um excelente campo de observação das gerações de taxas de juro com que a economia de mercado tem trabalhado num período que já excede o que costumamos chamar um ciclo longo em economia. Já passei por tudo em matéria de taxas de juro. Mas nunca imaginaria que assistisse à própria ultrapassagem do já estranho “zero lower bound” que tem caracterizado o contexto das políticas monetárias no pós 2007-2008.
Gawyn Davies interroga-se numa crónica muito informativa no Financial Times até onde poderão as taxas de juro tornar-se negativas, sobretudo a partir do momento em que os bancos centrais da Dinamarca e da Suiça, com as respetivas moedas pressionadas pela desvalorização do euro face ao dólar, a colocar as suas taxas de referência para depósito nessas instituições a níveis negativos, respetivamente, de -0,5% e -0,75%. O mais perturbador é que os yields das obrigações suíças a longo prazo caíram eles próprios em terreno negativo, o que constitui por si só um fator de enorme estranheza face aos padrões de referência nos mercados financeiros.
Até agora o BCE tem mantido firme a sua taxa negativa de -0,2% para as taxas de depósito de curto prazo e o Banco Central do Japão tem optado por compras maciças de títulos e não por taxas negativas.

Davies estima no gráfico acima qual seria o comportamento esperado da curva de evolução dos yields alemães pelos sucessivos anos de maturidade dos títulos se o BCE fizesse descer a sua taxa de curto prazo para -0,8% mantida para quatro anos, o que produziria segundo o gráfico yields negativos para maturidades até 8 anos. É de facto demasiado perturbadora a imagem que estes gráficos nos veiculam, podendo no limite anunciar uma ainda mais estranha economia em que a banca optaria por uma economia de cash ou repercutindo para os seus clientes uma taxa negativa pelos seus depósitos, pelo menos enquanto o mercado empresarial não fornecesse produtos para a gestão de tão elevadas somas de dinheiro vivo. Como é óbvio, poderia também gerar-se a tendência para o parqueamento de dinheiro noutras aplicações, porém não desprovidas ou de risco cambial ou de flutuações de preços de ativos incluindo o do ouro.
A situação aqui retratada parece dar razão à ideia de que a entrada numa zona de taxas de referência negativas pode em função dos níveis negativos que apresentem dar origem a mudanças qualitativas profundas de todo o sistema financeiro.
Por toda esta matéria passa a perceção de que a política monetária dá o litro para tentar resolver um problema que manifestamente ela não pode isoladamente ultrapassar, seja ele um produto estrutural da chamada estagnação secular (cujo debate não está de modo algum fechado), ou simplesmente a consequência de uma debilidade global da procura.
Não parece haver dúvida de que os manuais de macroeconomia têm de ser reescritos.

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