segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

A CRUEZA E AMBIGUIDADE DOS NÚMEROS



Cruzo-me com duas notícias, uma do DN, outra do Jornal i, ambos on line, ambas com a mesma origem em dados do INE sobre o comércio externo português.
No DN, deparamos com:
Pelo contrário, no Jornal i, a coisa é apresentada como:


O quarto trimestre de 2014 foi especialmente maroto para estas coisas de avaliar o posicionamento económico externo do país após programa de ajustamento penoso e desproporcionado. Em relação ao quarto trimestre de 2013, o comportamento foi favorável, tendo o défice comercial externo sido melhorado, com um comportamento dinâmico da exportação de bens e serviços mais positivo do que o das importações. O mesmo poderá dizer-se de dezembro em relação a novembro e o i on line decide focar-se nessa perspetiva de leitura.
O DN, pelo contrário, foca-se na comparação global de 2014 e 2013 e conclui pela deterioração do défice comercial externo, com as exportações de bens e serviços a crescerem menos do que as importações. Nesta perspetiva de leitura, deve sobretudo ser sublinhado que as exportações aumentaram sobretudo para o destino União Europeia, tendo diminuído 0,1% para o exterior desse espaço.
Significa isto que, em relação a 2013, a desvalorização interna a que a economia portuguesa foi rudemente sujeita parece não ter sido suficiente para melhorar o comportamento relativo das exportações. O debate central das ideias económicas em torno deste registo será o seguinte: os austeritários dirão que o ajustamento da desvalorização nominal foi insuficiente; os antiausteritários dirão que a relação entre a competitividade das exportações e a desvalorização interna imposta não é linear, que em economias que são “price-takers” no comércio mundial há outros fatores a invocar para a competitividade e que é antes de uma mudança estrutural do perfil estrutural das exportações que é necessário promover (qualificação e produtividade) e que isso leva tempo e não poder ser conduzido sob regressão social. Dirão ainda os últimos que a União Europeia comprimindo saldos orçamentais primários não está a impulsionar as exportações dos países em ajustamento. Anotarão ainda que a diminuição das exportações nos mercados extra-União Europeia refletirá muito provavelmente o esgotamento da capacidade produtiva instalada que foi utilizada para responder às oportunidades de mercado em economias como Angola. E ainda dirão que sem relançamento do investimento privado, a mudança estrutural do perfil das exportações estará sempre ameaçada.
A minha posição alinha com a segunda das explicações.
A economia portuguesa está no limiar do grande acerto de contas. Começando a crescer mais sustentadamente, as importações começarão virtuosamente a crescer, com foco nos equipamentos que ainda não produzimos, ou aumentarão sem virtude, refletindo antes que a mudança estrutural não passou ainda dos sinais que gostaríamos de ver ampliados?
O discurso de pacotilha do governo, ofuscado pela procura desesperada de sinais que minimizem a consciência do ajustamento, anda à margem desta discussão.
Uma curiosidade reveladora: ambos os jornais escolhem uma imagem de infraestrutura portuária para ilustrar os números. O que não deixa de revelar um enorme preconceito para com a dimensão imaterial e de serviços das exportações nacionais.

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