terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

SAMPAIO: ORGULHO E GRATIDÃO


Estou agora a regressar de uma belíssima cerimónia de homenagem académica e cívica a uma das mais insignes personalidades da vida portuguesa contemporânea: a atribuição do título de Doutor Honoris Causa pela Universidade do Porto a Jorge Sampaio (JS). Com a muito honrosa particularidade pessoal de nela ter ainda podido participar, quase anonimamente, enquanto um de muitos membros do Cortejo Académico formado pelos professores da dita Universidade.

A mesa principal já revelava mais que o bastante para esclarecer a enorme e discreta qualidade do que iria ocorrer naquele Salão Nobre: a presidência cabia ao Reitor Sebastião Feyo de Azevedo, o qual estava ladeado pelo padrinho do Doutorando Alexandre Quintanilha e por José Madureira Pinto (JMP) que iria proferir o Elogio do mesmo.

Um Elogio aliás notável, como sempre teria de ser vindo de um colega de Faculdade (Economia) que considero ser a mais consistente referência intelectual e ética da mesma. JMP percorreu brilhantemente, em cerca de meia hora, o “itinerário biográfico” de JS, que começou por definir como um político e como alguém singular. Sobre a pessoa, sublinhou designadamente a afabilidade, os métodos de trabalho, o respeito pela colegialidade, a valorização do conhecimento, o escrúpulo do rigor, a exigência ética e a permanente intranquilidade. Sobre o homem público, apontou a sua precoce recusa de uma “entrega à cinzenta passagem dos dias”, a sua passagem “ao largo da volúpia” que a profissão de advogado lhe poderia ter proporcionado, a sua capacidade para sem concessões se manter “sempre audível e influente” nos anos pós-1974 e a sua afirmação enquanto estadista reconhecidamente exemplar. Sobre a atribuição do título, uma decisão que reputou de plena de sabedoria, JMP referiu dois elementos de súmula substantiva: JS como fazendo parte da “coligação mundializada de esforços” visando levar/devolver a esperança aos cidadãos mais fragilizados e JS como alguém que é detentor de uma “democraticidade incorporada” que nos faz senti-lo “tão próximo e genuíno”. Tudo isto sem perder a oportunidade de alguns recados na mouche quanto às sempre inexploradas virtualidades da interdisciplinaridade e do pluralismo teórico-metodológico, às ameaças à vida democrática provenientes de tendências crescentes de “centripetação e autocentralidade” frequentemente manifestadas através de deslocadas grandiosidades retóricas, aos riscos associados ao pensamento económico único e à imprescindibilidade de um aprofundamento da democracia nos domínios social (onde denunciou as flexibilizações à outrance e de eficiência não comprovada), territorial (descentralização), da justiça e cidadania e da educação, ciência e cultura (enquanto “alavancas para outra economia”).

O discurso de agradecimento do Doutorando é igualmente uma peça de elevada espessura. Saliento três ou quatro pontos: a iniciar a constatação de que nunca esteve sozinho na “demanda de um Portugal melhor e de um mundo mais justo”; depois, uma referência ao Porto como sempre tendo constituído para si “um destino feliz”; em seguida, a consideração de que será um claro dever da sua geração “assinalar os progressos entretanto obtidos” pelo País; mais adiante, uma menção aos “riscos de fratura do projeto europeu”, acusando os “inadmissíveis anátemas decretados por alguns Estados membros”, a “triunfante cultura de ortodoxia financeira” e a “mácula desencorajadora projetada pelos milhões de desempregados”, e um voto no sentido de que “Bruxelas retome os caminhos da solidariedade e da coesão”; logo à frente, uma denúncia da “retórica militante contra o Estado regulador e contra o seu papel de prestador de serviços” e dos consequentes “prejuízos perversos dos direitos de cidadania”, com utilização de palavras como pobreza, exclusão, desigualdade, envelhecimento, desamparo ou emigração; a terminar, uma “afirmação de confiança sem imponderado otimismo”.
 
Ainda há momentos felizes quando podemos testemunhar quão gratificante e compensatória pode ser a mais despretensiosa mas sentida das homenagens a uma vida verdadeiramente realizada...

Sem comentários:

Enviar um comentário