O artigo de opinião que o ministro das Finanças grego Yanis Varoufakis publicou ontem no New York Times é em meu entender uma
das peças mais poderosas de denúncia de todo o aparato, preconceitos e segundas
intenções com que as autoridades europeias em torno do Eurogrupo e da
encaracolada personagem que o dirige (como é trágica a situação a que chegaram
os socialistas europeus!) estão a conduzir as negociações.
O que é central na peça de Varoufakis é a sua rejeição
plena e definitiva de que a Grécia esteja a utilizar nas negociações os
ensinamentos da teoria dos jogos de que ele próprio é um especialista na aplicação
à economia. Varoufakis rejeita com veemência que a posição da Grécia esteja
amarrada a bluffs ou outros subterfúgios táticos e atira-se com violência aos
comentadores e analistas que cavalgaram essa pretensa correspondência entre o
seu domínio científico e a estratégia de negociação grega. No quadro dessa
rejeição, o intelectual agora ministro reafirma o compromisso do SYRIZA de combater
os interesses ocultos que dominam a economia grega e rejeitar com veemência o
estatuto de colónia endividada que tem de sofrer o necessário para se
purificar. Reafirma também que a Grécia não visa alterar o pagamento da sua dívida,
mas tão só a necessária procura de tempo para colocar o seu programa em ação em
contexto de estabilidade financeira.
E o artigo termina distanciando-se da teoria dos
jogos e invocando Kant (o que é em si uma profunda ironia):
“Como é que
poderemos saber se a nossa modesta agenda política, que constitui a nossa linha
vermelha, é a linha certa nos termos de Kant? Sabemo-lo olhando nos olhos da
fome nas ruas das nossas cidades ou contemplando a nossa pressionada classe média,
ou tendo em conta os interesses dos que trabalham duro em qualquer aldeia ou
cidade que estão integradas na nossa união monetária. No fim de contas, a
Europa só recuperará a sua alma quando ganhar a confiança das populações,
colocando os seus interesses no centro da questão.”
Este último parágrafo é um valente murro no estômago.
Mas pelo andar dos acontecimentos tal murro só é sentido como tal pelos que
alimentam uma consciência social. Tenho dúvidas de que do outro lado da
negociação haja alguém que tenha essa consciência. Pressinto que os socialistas
europeus estão a cavar, em troca de algumas miudezas, a sua sepultura profunda,
correndo o risco de iniciarem um longo calvário para ganhar de novo a confiança
do seu eleitorado potencial.
Costa que se cuide. A periferia deprime mas isola
de muita coisa. Mas não apostaria muito nessa imunidade.
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